Quem é o homem que morou 15 dias em Viracopos à espera da namorada
Peter Moon, de Campinas (2009)
“O alemão é aquele ali, o que está sentado e não para de se mexer”, diz o soldado Milton, da Polícia Militar, no saguão do Aeroporto Internacional de Viracopos, em Campinas, São Paulo. “Ele passa o dia andando de um lado para o outro, empurrando o carrinho de bagagens e teclando no notebook. Hoje, está agitado. Já deu entrevista para vários canais de TV. Não sei se vai querer falar com vocês.” O alemão se chama Heinz Müller e morou durante duas semanas no saguão do aeroporto – de onde foi retirado à força na tarde da quinta-feira por assistentes sociais, e levado para o Centro de Psiquiatria da Unicamp. Com as sobras do alemão aprendido há 20 anos, arrisco: “Sind Sie Herr Müller, bitte? (É o senhor Müller?)”. “Ja. Pode falar português”, responde o homem magro, de olhos azuis e ar abatido. Ele parece mais velho do que seus 46 anos, por causa da calvície e do rosto vincado.
Müller veste camiseta, calça jeans e sandálias baratas. E não parece nervoso, apenas agitado, muito agitado. Nós conversamos ao longo das três horas seguintes. Sem parar de gesticular, revirar os olhos e franzir o cenho um instante, Müller mostrou-se simpático, atencioso, repetitivo, confuso, obstinado, teimoso e, sobretudo, doente, muito doente. A experiência de estar com ele foi aflitiva.
O Brasil conheceu esse homem estranho pela televisão e recebeu uma versão romântica de sua história. Parecia que o país estava diante de uma repetição do caso de Viktor Navorski, interpretado por Tom Hanks no filme O terminal, de 2004. A verdade é muito pior. Em portunhol, alemão e inglês, numa verborragia irrefreável e por vezes incompreensível, Müller conta sua história. Uma história de amor com uma só versão. Ele morava em Munique quando conheceu, em março, pelo serviço de mensagens instantâneas MSN, da internet, uma morena de 30 anos chamada Josiane Alves, que (segundo ele) mora em Indaiatuba, perto de Campinas. Müller conta que ele e Josiane passaram a conversar pelo computador todos os dias, das 10 da noite às 7 da manhã. Mesmo sem nunca terem se visto nem falado ao telefone, Müller se apaixonou. “Iríamos casar. Eu vim morar com ela no Brasil. A gente teria uma vida simples: comer pizza e fazer amor. Não posso trabalhar, por causa da minha doença. Tenho mal de Parkinson. Josiane trabalharia e eu cuidaria das crianças.” Müller mostra no notebook as fotos da “princesita” com seus dois filhos, Karol e Guilherme.
Ele decolou de Munique em 1º de outubro de 2009 para bater na porta de Josiane. Não foi bem recebido. Ficou numa pousada até o dia 15de novembro. Nesse período, recebeu duas vezes a visita de Josiane – uma morena baixinha, cheinha e bonita, segundo a dona da pousada, Gabriela Gimenes. “Ela me disse que não tinha como sustentá-lo, que não tinha endereço fixo e foi embora sem deixar nenhum telefone.” Quando o dinheiro de Müller acabou, Gabriela chamou o serviço social da cidade. Ele recusou ajuda, inclusive do consulado alemão, e decidiu morar em Viracopos, que fica perto da cidade. Dizia que ficar na rua é perigoso e que no aeroporto poderia acessar o MSN e falar com Josiane, que ele não via desde o dia 14.
Mesmo sem um tostão (“quero transferir minha pensão da Alemanha para um banco no Brasil”), estava resolvido a ficar. “Daqui eu não saio. Quero morar no Brasil com mi amor!” O saguão é uma área pública e fica aberto 24 horas por dia. “Não podemos impedir sua presença”, dizia Samuel Conceição Silva, o gerente de Operações e Segurança de Viracopos. “As pessoas reclamam quando ele toma banho na pia do banheiro. Agora passou a pedir dinheiro para comer.” Quando se tornou violento, teve de sair.
Visto assim de perto, o caso de Müller tem pouco em comum com o personagem ficcional de Tom Hanks. Navorski vinha de um país no Leste Europeu com o sonho de pegar o autógrafo de um músico de jazz em Nova York. O sonho acabou no instante em que desembarcou no aeroporto John Fitzgerald Kennedy, em Nova York. Em algum momento durante as 12 horas do voo que o trouxe da fictícia Krakozhia, uma guerra civil eclodiu no país, e a Krakozhia deixou de existir. A imigração americana não permite que ele ingresse no país, mas não pode repatriá-lo, pois país nenhum o aceitaria. Sem solução para seu impasse jurídico, Navorski vive por meses a fio no interior do terminal.
As semelhanças entre Navorski e Müller param no terminal. Perguntei a Müller se tinha parentes na Alemanha. “Nein, estão todos mortos.” Contou também que era piloto de aviões de carga no Texas e que viveu no México, onde foi casado e tem três filhos, Diego, de 15 anos, Hernán, de 17, e Nicole, de 13. “Não os vejo há sete anos.” Parte disso é verdade, parte não é. Consegui localizar a mãe, o pai e a irmã dele. Vivem em Munique. Eles contam que a doença dele não é Parkinson, e sim Huntington (uma doença genética incurável que causa denegeração do sistema nervoso), mas que, sim, ele era piloto e tem família no México. “A senhora quer o telefone para falar com ele no aeroporto?”, eu pergunto. “Não”, responde a irmã Ulrike, de 40 anos. “Não temos nada a ver com isso.”
Não é a primeira visita de Müller ao Brasil. Em 2006, passou nove meses em Curitiba, onde teria se casado com uma moça chamada Jussara. Segundo pessoas ouvidas pela imprensa em Curitiba, o casamento durou um mês. Müller teria “aprontado todas”. Em Viracopos, ele não perdia a esperança de voltar a falar com Josiane, de quem não deu o endereço nem o telefone. Depois de três horas difíceis de conversa, perguntei se ele já havia se alimentado naquele dia. Ele disse que não. Fomos ao restaurante do aeroporto e eu paguei para ele um fettuccine ai funghi, que ele atacou esfomeado. Bebeu refrigerante. Aproveitei para perguntar se, por acaso, Josiane não seria casada – e ele estaria vivendo uma ilusão. Müller me olhou com os olhos muito azuis e disse, em inglês: “Isso é mentira. Não vou mais perder meu tempo com você. Não falo mais nada”. Fui embora. Ele continuou comendo.
Publicado originalmente em Época, em 29/10/2009.
Peter Moon, de Campinas (2009)
Müller em Viracopos. "Daqui eu não saio" |
Müller veste camiseta, calça jeans e sandálias baratas. E não parece nervoso, apenas agitado, muito agitado. Nós conversamos ao longo das três horas seguintes. Sem parar de gesticular, revirar os olhos e franzir o cenho um instante, Müller mostrou-se simpático, atencioso, repetitivo, confuso, obstinado, teimoso e, sobretudo, doente, muito doente. A experiência de estar com ele foi aflitiva.
O Brasil conheceu esse homem estranho pela televisão e recebeu uma versão romântica de sua história. Parecia que o país estava diante de uma repetição do caso de Viktor Navorski, interpretado por Tom Hanks no filme O terminal, de 2004. A verdade é muito pior. Em portunhol, alemão e inglês, numa verborragia irrefreável e por vezes incompreensível, Müller conta sua história. Uma história de amor com uma só versão. Ele morava em Munique quando conheceu, em março, pelo serviço de mensagens instantâneas MSN, da internet, uma morena de 30 anos chamada Josiane Alves, que (segundo ele) mora em Indaiatuba, perto de Campinas. Müller conta que ele e Josiane passaram a conversar pelo computador todos os dias, das 10 da noite às 7 da manhã. Mesmo sem nunca terem se visto nem falado ao telefone, Müller se apaixonou. “Iríamos casar. Eu vim morar com ela no Brasil. A gente teria uma vida simples: comer pizza e fazer amor. Não posso trabalhar, por causa da minha doença. Tenho mal de Parkinson. Josiane trabalharia e eu cuidaria das crianças.” Müller mostra no notebook as fotos da “princesita” com seus dois filhos, Karol e Guilherme.
Ele decolou de Munique em 1º de outubro de 2009 para bater na porta de Josiane. Não foi bem recebido. Ficou numa pousada até o dia 15de novembro. Nesse período, recebeu duas vezes a visita de Josiane – uma morena baixinha, cheinha e bonita, segundo a dona da pousada, Gabriela Gimenes. “Ela me disse que não tinha como sustentá-lo, que não tinha endereço fixo e foi embora sem deixar nenhum telefone.” Quando o dinheiro de Müller acabou, Gabriela chamou o serviço social da cidade. Ele recusou ajuda, inclusive do consulado alemão, e decidiu morar em Viracopos, que fica perto da cidade. Dizia que ficar na rua é perigoso e que no aeroporto poderia acessar o MSN e falar com Josiane, que ele não via desde o dia 14.
Mesmo sem um tostão (“quero transferir minha pensão da Alemanha para um banco no Brasil”), estava resolvido a ficar. “Daqui eu não saio. Quero morar no Brasil com mi amor!” O saguão é uma área pública e fica aberto 24 horas por dia. “Não podemos impedir sua presença”, dizia Samuel Conceição Silva, o gerente de Operações e Segurança de Viracopos. “As pessoas reclamam quando ele toma banho na pia do banheiro. Agora passou a pedir dinheiro para comer.” Quando se tornou violento, teve de sair.
Tom Hanks como Viktor Navorski, em cena de O terminal. |
As semelhanças entre Navorski e Müller param no terminal. Perguntei a Müller se tinha parentes na Alemanha. “Nein, estão todos mortos.” Contou também que era piloto de aviões de carga no Texas e que viveu no México, onde foi casado e tem três filhos, Diego, de 15 anos, Hernán, de 17, e Nicole, de 13. “Não os vejo há sete anos.” Parte disso é verdade, parte não é. Consegui localizar a mãe, o pai e a irmã dele. Vivem em Munique. Eles contam que a doença dele não é Parkinson, e sim Huntington (uma doença genética incurável que causa denegeração do sistema nervoso), mas que, sim, ele era piloto e tem família no México. “A senhora quer o telefone para falar com ele no aeroporto?”, eu pergunto. “Não”, responde a irmã Ulrike, de 40 anos. “Não temos nada a ver com isso.”
Não é a primeira visita de Müller ao Brasil. Em 2006, passou nove meses em Curitiba, onde teria se casado com uma moça chamada Jussara. Segundo pessoas ouvidas pela imprensa em Curitiba, o casamento durou um mês. Müller teria “aprontado todas”. Em Viracopos, ele não perdia a esperança de voltar a falar com Josiane, de quem não deu o endereço nem o telefone. Depois de três horas difíceis de conversa, perguntei se ele já havia se alimentado naquele dia. Ele disse que não. Fomos ao restaurante do aeroporto e eu paguei para ele um fettuccine ai funghi, que ele atacou esfomeado. Bebeu refrigerante. Aproveitei para perguntar se, por acaso, Josiane não seria casada – e ele estaria vivendo uma ilusão. Müller me olhou com os olhos muito azuis e disse, em inglês: “Isso é mentira. Não vou mais perder meu tempo com você. Não falo mais nada”. Fui embora. Ele continuou comendo.
Publicado originalmente em Época, em 29/10/2009.
Até que enfim uma matéria decente sobre este caso. Mas acho que o cara mentiu pra todo mundo. Com certeza ele mandou fotos pra essa moça de quando era mais jovem e disse que ainda era piloto. Ela, claro, enxergou então a possibilidade de se casar com um gringo, ser sustentada e rica. Porque essas brasileiras pobres que caçam gringo na NET querem mudar de vida e ir pra europa. Aí o cara chega e ela vê que não era nada daquilo que ela pensou: ELE queria ser sustentado por ELA, ele não trabalhava e não possuía boa aparência. Foi aí que ela deu um perdido nele, sumiu e não deixou contato.
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