O especialista prevê que, em 15 anos, o aparelho será miniaturizado e terá mais capacidade de transmissão
Peter Moon
Ele é inglês, mora em Tóquio e trabalha para uma empresa finlandesa. Seu escritório é o planeta Terra. Jan Chipchase trabalha na Nokia Design. Chefia 300 psicólogos, designers, sociólogos e antropólogos. Eles percorrem o mundo para entender como a humanidade, em suas mais diversas facetas, se relaciona com esse aparelho chamado celular. Metade da população mundial já tem o seu. São 3,5 bilhões de aparelhos, dos sofisticados telefones inteligentes de terceira geração aos pré-pagos mais baratos. Chipchase quer pôr um telefone na mão da outra metade. A maioria, analfabetos. Para eles, Chipchase criou um celular no qual letras e números dão lugar a ícones e imagens. Se obtiver sucesso, conseguirá conectar todos os humanos em uma única rede global de comunicação.
QUEM É
O inglês Jan Chipchase, de 40 anos, é economista com mestrado em Interfaces Gráficas. Trabalhou no Institute for Learning and Research Technology, da Universidade de Bristol
ONDE TRABALHA
Desde 1999, mora em Tóquio e lidera a equipe de 300 pesquisadores da Nokia Design
O QUE FAZ
Viaja pelo mundo estudando como as mais diversas populações usam o celular e como a telefonia móvel modifica e reflete os usos e costumes das diversas sociedades
Peter Moon – Como será o celular em 15 anos?
Jan Chipchase – Há duas tendências claras para o futuro. A primeira: imagine como será a quarta geração de celulares (4G), com capacidade ultra-elevada de transmissão de dados. Será possível acessar todos os seus arquivos imediatamente, onde você estiver e no formato que desejar. A segunda tendência é a miniaturização. Já podemos projetar aparelhos com qualquer formato. No futuro, eles serão flexíveis e adaptados ao corpo. Qual será seu formato ideal? Talvez seja invisível. É uma questão para a qual ainda não tenho resposta. Refletir sobre ela é meu trabalho.
Moon – Como é sua rotina?
Chipchase – Viajo pelo mundo pesquisando diferentes culturas. Vou a qualquer lugar para entender como usam o celular em países como Índia, China, Brasil, Tadjiquistão, Usbequistão, Itália, Estados Unidos, Alemanha, Uganda ou Gâmbia.
Moon – O senhor já esteve no Brasil?
Chipchase – Passei algumas semanas no Rio de Janeiro, em 2007 (esta entrevista é de 2008). Fizemos um estudo chamado Futuro Urbano. Hoje, há mais seres humanos vivendo em cidades que no campo. O modo como essa urbanização se dá, em geral, é pela expansão das favelas. É importante entender esse fenômeno. Por isso, em 2007 viajei para o Brasil, para a China, Índia e Gana.
Moon – Há um modo específico como os brasileiros usam o celular?
Chipchase – Muitos tiram fotos com o celular e usam como papel de parede. Ao comparar as culturas, percebemos que na Índia, em geral, usa-se como papel de parede a própria foto ou a do astro favorito da Bollywood (a Hollywood indiana, em Mumbai, ex-Bombaim). Na China, é comum ver a foto do filho do casal, por causa da política de filho único do governo. No Brasil, o comum é ver a foto do dono do telefone ao lado da namorada ou namorado. Em outras palavras, são duas pessoas. Essas constatações não resultam em mudança no design dos aparelhos, mas mostram como o uso do celular reflete os costumes da sociedade. Na China, a ênfase é no filho. No Brasil, é nos relacionamentos.
Moon – Esse tipo de conclusão tem algum resultado prático?
Chipchase – Os primeiros celulares, há 20 anos, eram grandes, caros e feitos para ser usados por várias pessoas. O aparelho foi diminuindo, e seu uso passou a ser individual. Ainda hoje, em países como Uganda e Indonésia, as pessoas dividem o mesmo aparelho. Entre amigos, colegas de trabalho ou uma família. Há aldeias inteiras dividindo o mesmo celular. Por isso, fizemos um novo modelo que aceita múltiplas agendas de endereços. Parece pouco, mas a mudança mantém a privacidade dos usuários. Imagine se um concorrente tivesse acesso a sua agenda de endereços? Seria um desastre.
Moon – Dê um outro exemplo.
Chipchase – Meu trabalho inclui saber como os analfabetos usam celulares. Nossos produtos são projetados para pessoas que sabem ler e escrever e usar números. Mas analfabetos também usam celular. A questão era entender como. O resultado foi a inclusão, no modelo mais barato, de um menu falado. As letras das teclas foram substituídas por ícones e imagens. Projetar aparelhos para quem não sabe ler é complicado. Existe um estigma com relação aos analfabetos. Um celular para analfabetos que obtenha sucesso precisa ser parecido com qualquer outro, para evitar o preconceito.
Moon – Quais as funções mais requisitadas no celular?
Chipchase – Três bilhões de pessoas já têm acesso a um celular. Mas e a outra metade da humanidade? Imagine o que seria para eles ter acesso à comunicação a distância e ao e-mail, coisas para nós triviais. Não importa a condição social, sexo, idade ou nacionalidade. Quando viajo pelo mundo, todos me dizem que querem ter um celular. Essa é sua principal função, permitir a comunicação móvel. A parte isso, os desejos de funções ou dispositivos variam muito. De maneira geral, o que as pessoas mais pedem é música e uma boa câmera fotográfica. Na Índia, quem compra um segundo telefone escolhe um com rádio. Ouvir rádio na Índia é popular, além de grátis. Em países com maior nível de renda, os clientes querem acesso excelente à internet e localização por GPS.
Moon – E, para o trabalho, o que pedem?
Chipchase – Antes de uma reunião, as pessoas costumam desligar o celular ou colocá-lo no modo silencioso, certo? Sempre alguém esquece. Criamos um modelo que, ao ser posto numa mesa com o visor para baixo, fica silencioso.
Moon – É bom ver TV no celular?
Chipchase – Estudei esse assunto na Coréia, em 2005. Visitei várias casas, escritórios, andei de metrô. Fiquei surpreso ao notar que o principal uso da televisão móvel é dentro de casa. Não importa que as pessoas tenham um aparelho de TV. O celular com TV é um televisor pessoal. Em segundo lugar, as pessoas vêem TV no celular dentro do ônibus ou no metrô. Acompanham o início da novela ou do jornal. Quando entram em casa, ligam a televisão.
Moon – A tela do celular é pequena, uma desvantagem com relação aos PCs.
Chipchase – Embora, para a maioria das pessoas, o celular talvez já seja mais importante que o PC, ele tem limitações, entre elas o tamanho do monitor. Mas não esqueça que a limitação para uma pessoa pode ser uma vantagem para outra. Se a tela fosse maior, não seria um celular, mas um laptop. As pessoas preferem andar com o celular, não com o laptop debaixo do braço.
Moon – Mas a informação da internet está formatada para monitores dos PCs, não para celulares...
Chipchase – A solução virá com a onipresença dos monitores. Nos shopping centers, os monitores planos não estão por toda parte? Acredito que, na casa do futuro, haverá monitores em todos os cômodos. As pessoas terão seus arquivos, músicas, vídeos e fotos armazenados na internet e usarão o celular para acessar a rede e exibir seu conteúdo em qualquer monitor disponível, no metrô, no ônibus ou no automóvel.
Publicado originalmente em Época, em 26/06/2008.
Peter Moon
Ele é inglês, mora em Tóquio e trabalha para uma empresa finlandesa. Seu escritório é o planeta Terra. Jan Chipchase trabalha na Nokia Design. Chefia 300 psicólogos, designers, sociólogos e antropólogos. Eles percorrem o mundo para entender como a humanidade, em suas mais diversas facetas, se relaciona com esse aparelho chamado celular. Metade da população mundial já tem o seu. São 3,5 bilhões de aparelhos, dos sofisticados telefones inteligentes de terceira geração aos pré-pagos mais baratos. Chipchase quer pôr um telefone na mão da outra metade. A maioria, analfabetos. Para eles, Chipchase criou um celular no qual letras e números dão lugar a ícones e imagens. Se obtiver sucesso, conseguirá conectar todos os humanos em uma única rede global de comunicação.
Jon Chipchase em Copacabana, em 2007. |
O inglês Jan Chipchase, de 40 anos, é economista com mestrado em Interfaces Gráficas. Trabalhou no Institute for Learning and Research Technology, da Universidade de Bristol
ONDE TRABALHA
Desde 1999, mora em Tóquio e lidera a equipe de 300 pesquisadores da Nokia Design
O QUE FAZ
Viaja pelo mundo estudando como as mais diversas populações usam o celular e como a telefonia móvel modifica e reflete os usos e costumes das diversas sociedades
Peter Moon – Como será o celular em 15 anos?
Jan Chipchase – Há duas tendências claras para o futuro. A primeira: imagine como será a quarta geração de celulares (4G), com capacidade ultra-elevada de transmissão de dados. Será possível acessar todos os seus arquivos imediatamente, onde você estiver e no formato que desejar. A segunda tendência é a miniaturização. Já podemos projetar aparelhos com qualquer formato. No futuro, eles serão flexíveis e adaptados ao corpo. Qual será seu formato ideal? Talvez seja invisível. É uma questão para a qual ainda não tenho resposta. Refletir sobre ela é meu trabalho.
Moon – Como é sua rotina?
Chipchase – Viajo pelo mundo pesquisando diferentes culturas. Vou a qualquer lugar para entender como usam o celular em países como Índia, China, Brasil, Tadjiquistão, Usbequistão, Itália, Estados Unidos, Alemanha, Uganda ou Gâmbia.
Moon – O senhor já esteve no Brasil?
Chipchase – Passei algumas semanas no Rio de Janeiro, em 2007 (esta entrevista é de 2008). Fizemos um estudo chamado Futuro Urbano. Hoje, há mais seres humanos vivendo em cidades que no campo. O modo como essa urbanização se dá, em geral, é pela expansão das favelas. É importante entender esse fenômeno. Por isso, em 2007 viajei para o Brasil, para a China, Índia e Gana.
Moon – Há um modo específico como os brasileiros usam o celular?
Chipchase – Muitos tiram fotos com o celular e usam como papel de parede. Ao comparar as culturas, percebemos que na Índia, em geral, usa-se como papel de parede a própria foto ou a do astro favorito da Bollywood (a Hollywood indiana, em Mumbai, ex-Bombaim). Na China, é comum ver a foto do filho do casal, por causa da política de filho único do governo. No Brasil, o comum é ver a foto do dono do telefone ao lado da namorada ou namorado. Em outras palavras, são duas pessoas. Essas constatações não resultam em mudança no design dos aparelhos, mas mostram como o uso do celular reflete os costumes da sociedade. Na China, a ênfase é no filho. No Brasil, é nos relacionamentos.
Moon – Esse tipo de conclusão tem algum resultado prático?
Chipchase – Os primeiros celulares, há 20 anos, eram grandes, caros e feitos para ser usados por várias pessoas. O aparelho foi diminuindo, e seu uso passou a ser individual. Ainda hoje, em países como Uganda e Indonésia, as pessoas dividem o mesmo aparelho. Entre amigos, colegas de trabalho ou uma família. Há aldeias inteiras dividindo o mesmo celular. Por isso, fizemos um novo modelo que aceita múltiplas agendas de endereços. Parece pouco, mas a mudança mantém a privacidade dos usuários. Imagine se um concorrente tivesse acesso a sua agenda de endereços? Seria um desastre.
Moon – Dê um outro exemplo.
Chipchase – Meu trabalho inclui saber como os analfabetos usam celulares. Nossos produtos são projetados para pessoas que sabem ler e escrever e usar números. Mas analfabetos também usam celular. A questão era entender como. O resultado foi a inclusão, no modelo mais barato, de um menu falado. As letras das teclas foram substituídas por ícones e imagens. Projetar aparelhos para quem não sabe ler é complicado. Existe um estigma com relação aos analfabetos. Um celular para analfabetos que obtenha sucesso precisa ser parecido com qualquer outro, para evitar o preconceito.
Moon – Quais as funções mais requisitadas no celular?
Chipchase – Três bilhões de pessoas já têm acesso a um celular. Mas e a outra metade da humanidade? Imagine o que seria para eles ter acesso à comunicação a distância e ao e-mail, coisas para nós triviais. Não importa a condição social, sexo, idade ou nacionalidade. Quando viajo pelo mundo, todos me dizem que querem ter um celular. Essa é sua principal função, permitir a comunicação móvel. A parte isso, os desejos de funções ou dispositivos variam muito. De maneira geral, o que as pessoas mais pedem é música e uma boa câmera fotográfica. Na Índia, quem compra um segundo telefone escolhe um com rádio. Ouvir rádio na Índia é popular, além de grátis. Em países com maior nível de renda, os clientes querem acesso excelente à internet e localização por GPS.
Moon – E, para o trabalho, o que pedem?
Chipchase – Antes de uma reunião, as pessoas costumam desligar o celular ou colocá-lo no modo silencioso, certo? Sempre alguém esquece. Criamos um modelo que, ao ser posto numa mesa com o visor para baixo, fica silencioso.
Moon – É bom ver TV no celular?
Chipchase – Estudei esse assunto na Coréia, em 2005. Visitei várias casas, escritórios, andei de metrô. Fiquei surpreso ao notar que o principal uso da televisão móvel é dentro de casa. Não importa que as pessoas tenham um aparelho de TV. O celular com TV é um televisor pessoal. Em segundo lugar, as pessoas vêem TV no celular dentro do ônibus ou no metrô. Acompanham o início da novela ou do jornal. Quando entram em casa, ligam a televisão.
Moon – A tela do celular é pequena, uma desvantagem com relação aos PCs.
Chipchase – Embora, para a maioria das pessoas, o celular talvez já seja mais importante que o PC, ele tem limitações, entre elas o tamanho do monitor. Mas não esqueça que a limitação para uma pessoa pode ser uma vantagem para outra. Se a tela fosse maior, não seria um celular, mas um laptop. As pessoas preferem andar com o celular, não com o laptop debaixo do braço.
Moon – Mas a informação da internet está formatada para monitores dos PCs, não para celulares...
Chipchase – A solução virá com a onipresença dos monitores. Nos shopping centers, os monitores planos não estão por toda parte? Acredito que, na casa do futuro, haverá monitores em todos os cômodos. As pessoas terão seus arquivos, músicas, vídeos e fotos armazenados na internet e usarão o celular para acessar a rede e exibir seu conteúdo em qualquer monitor disponível, no metrô, no ônibus ou no automóvel.
Publicado originalmente em Época, em 26/06/2008.
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