O neto de Jacques Cousteau dá continuidade à saga familiar de defesa dos mares
Peter Moon
Philippe Pierre Jacques-Yves Arnault Cousteau Jr., ou Philippe Cousteau Jr., tem um grande nome a zelar. Ele é neto de Jacques Cousteau, o francês que inventou o aqualung nos anos 1940 e, a bordo do navio oceanográfico Calypso, popularizou as imagens do mundo submarino por meio de dezenas de documentários rodados entre os anos 1950 e 1980. Quem filmava as aventuras de Jacques Cousteau era o seu filho caçula, Philippe, o pai de Philippe Jr. Mas Philippe Jr. não conheceu seu pai. Ele ainda estava na barriga da mãe, quando, em 1979, seu pai morreu num acidente de avião em Portugal. As imagens que Philippe Jr. tem do pai são as do explorador do Calypso. Agora, Philippe Jr. reivindica para si a tradição familiar. É a sua vez de explorar o mundo submarino e mostrá-lo ao mundo em documentários. É o caso da série Oceanos, da BBC. Nesta entrevista, Philippe Cousteau Jr. fala do que significa ser um Cousteau.
Peter Moon – Philippe, tive a honra de entrevistar seu avô, Jacques-Ives Cousteau (1910-1997), na sua última vinda ao Brasil, em 1993. Para mim foi emocionante, pois cresci assistindo aos documentários sobre as aventuras do comandante do Calypso ao redor do mundo. Você é o mais novo representante de uma linhagem de aventureiros iniciada nos anos 1940 por seu avô, e que teve continuidade com seu tio, Jean-Michel, e seu pai, Philippe (1940-1979), que morreu antes de você nascer. Como é ser o herdeiro deste legado?
Philippe Cousteau – É um prazer conversar com qualquer um que tenha conhecido o meu avô. É uma honra e uma responsabilidade ser neto dele. Eu cresci ouvindo falar das suas aventuras. Apesar de morarmos nos Estados Unidos e nosso avô na França, eu e minha irmã, Alexandra, o encontrávamos várias vezes por ano. Meu avô era muito ocupado, mas sempre tinha um tempinho para passar com a gente. Ele exerceu uma grande influência sobre nossas vidas.
Quanto ao nosso pai, Philippe, ele começou a mergulhar com meu avô quando tinha apenas cinco anos, e o acompanhou em diversas viagens ao redor do mundo a bordo do Calypso. Até morrer, em 1979, nosso pai produziu 26 documentários da série O Mundo Submarino de Jacques Cousteau. Minha irmã tinha três anos quando ele morreu. Eu nasci sete meses após sua morte. Para homenagear sua memória, eu e minha irmã fundamos nos Estados Unidos uma organização não governamental chamada EarthEcho International. Foi uma forma de dar prosseguimento ao seu trabalho.
Moon – O que faz a EarthEcho?
Cousteau – Meu pai foi um visionário na compreensão da conexão humana com o meio ambiente. Minha irmã e eu damos prosseguimento ao seu legado, ao explorar os mares através de documentários como a série Oceanos. Através da nova série, procuro mostrar quais são os efeitos negativos, mas também positivos, do ser humano sobre o meio ambiente marinho. O ser humano faz parte do meio ambiente. Creio que ainda persiste em muitos setores da sociedade o mito de que o homem é o senhor da natureza, e que temos o direito de fazer dela o que bem entendermos, quando na verdade, como qualquer animal, nós precisamos de ar puro e de água limpa para sobreviver. Ao insistir nesta falsa premissa, a humanidade corre um sério risco. O trabalho da EarthEcho é transmitir esta mensagem a uma nova geração, uma geração que não cresceu assistindo os filmes do meu avô. Compartilhar este espírito é o que significa ser um Cousteau.
Moon – No primeiro episódio de Oceanos, você mergulhou no mar de Cortéz, no México. Há 15 anos, ali havia uma enorme concentração de tubarões martelo. Mas hoje, não acharam quase nenhum.
Cousteau – No mar de Cortéz, onde havia centenas de tubarões martelo, só encontramos alguns filhotes vivos – além de duas ou três carcaças de filhotes apodrecendo na praia, sem as barbatanas. O comércio de barbatanas para satisfazer na Ásia os apreciadores da sopa que se faz com elas é responsável pela morte de milhões de tubarões anualmente. Foi o que aconteceu no mar de Cortez. Seus tubarões martelo desapareceram. E isto aconteceu rapidamente. É alarmante. Muita gente não sabe como os tubarões são importantes para a saúde do ecossistema marinho. Quando se mata tubarões, estão se matando os animais que mantêm a saúde do mar. São eles que comem os peixes doentes, velhos e fracos. São eles que limpam as águas das carcaças dos animais mortos. Sem os tubarões para realizar este trabalho, doenças podem se alastrar pelos cardumes, dizimando os estoques de peixes e destruindo ecossistemas inteiros.
Moon – A tragédia dos tubarões é apenas um aspecto da rapina que a indústria pesqueira realiza nos mares.
Cousteau – Sim. Assim como os tubarões, o atum do Atlântico norte está numa situação crítica, da qual ele não deve se salvar. O atum do Atlântico norte está em vias de extinção. O mesmo ocorre com várias espécies em todos os mares. Para quem nunca teve a oportunidade de ver na sua frente um grande navio-pesqueiro do Japão, da China, de Taiwan ou da Rússia, é difícil compreender a escala da pesca industrial e quão devastadora é a tecnologia que eles usam. Os navios são grandes como transatlânticos. Suas redes de arrasto varrem e destroem todo o solo marinho. Nada escapa delas. O que sobra é um leito marinho destroçado e estéril. Tudo que é recolhido pelas redes é trazido para a superfície. Mas no navio só ficam as poucas espécies de valor comercial. Todo o resto é jogado fora, morto. A pesca industrial é insustentável e essencialmente criminosa. É um crime que a Europa e os Estados Unidos não façam nada para impedir a extinção dos cardumes. Na Europa, na África e na América Latina, muitos países insistem em ignorar que a pesca seletiva e sustentável, respeitando-se cotas e evitando a pesca na época de reprodução, é a melhor forma de defender os interesses dos pescadores. Prosseguir com a pesca predatória, ignorando os alertas dos cientistas, é o caminho certo para a falência da indústria pesqueira e o desemprego de milhões de pescadores – sem falar na extinção de diversas espécies.
Moon – A solução seria banir a pesca internacional para recompor os cardumes, como foi feito com a caça às baleias há 20 anos?
Cousteau – Sim. Mas não é o suficiente. É verdade que, no caso das baleias, 20 anos de banimento da pesca ajudou a elevar o número de animais - apesar de a Islândia, o Japão e a Noruega continuar a infringir criminosamente as leis internacionais. Mas a quantidade de baleias existente hoje ainda não se compara nem de perto àquela anterior ao início da caça, no século XVIII. E nem todas as espécies se recuperaram. É o caso da baleia franca do Atlântico. Seus números não cresceram. Hoje, só restam 300. É muito provável que este número não seja suficiente para livrar a espécie da extinção.
Publicado originalmente em Época Online, em 21/04/2009.
Peter Moon
Philippe Pierre Jacques-Yves Arnault Cousteau Jr., ou Philippe Cousteau Jr., tem um grande nome a zelar. Ele é neto de Jacques Cousteau, o francês que inventou o aqualung nos anos 1940 e, a bordo do navio oceanográfico Calypso, popularizou as imagens do mundo submarino por meio de dezenas de documentários rodados entre os anos 1950 e 1980. Quem filmava as aventuras de Jacques Cousteau era o seu filho caçula, Philippe, o pai de Philippe Jr. Mas Philippe Jr. não conheceu seu pai. Ele ainda estava na barriga da mãe, quando, em 1979, seu pai morreu num acidente de avião em Portugal. As imagens que Philippe Jr. tem do pai são as do explorador do Calypso. Agora, Philippe Jr. reivindica para si a tradição familiar. É a sua vez de explorar o mundo submarino e mostrá-lo ao mundo em documentários. É o caso da série Oceanos, da BBC. Nesta entrevista, Philippe Cousteau Jr. fala do que significa ser um Cousteau.
Peter Moon – Philippe, tive a honra de entrevistar seu avô, Jacques-Ives Cousteau (1910-1997), na sua última vinda ao Brasil, em 1993. Para mim foi emocionante, pois cresci assistindo aos documentários sobre as aventuras do comandante do Calypso ao redor do mundo. Você é o mais novo representante de uma linhagem de aventureiros iniciada nos anos 1940 por seu avô, e que teve continuidade com seu tio, Jean-Michel, e seu pai, Philippe (1940-1979), que morreu antes de você nascer. Como é ser o herdeiro deste legado?
Philippe Cousteau – É um prazer conversar com qualquer um que tenha conhecido o meu avô. É uma honra e uma responsabilidade ser neto dele. Eu cresci ouvindo falar das suas aventuras. Apesar de morarmos nos Estados Unidos e nosso avô na França, eu e minha irmã, Alexandra, o encontrávamos várias vezes por ano. Meu avô era muito ocupado, mas sempre tinha um tempinho para passar com a gente. Ele exerceu uma grande influência sobre nossas vidas.
Quanto ao nosso pai, Philippe, ele começou a mergulhar com meu avô quando tinha apenas cinco anos, e o acompanhou em diversas viagens ao redor do mundo a bordo do Calypso. Até morrer, em 1979, nosso pai produziu 26 documentários da série O Mundo Submarino de Jacques Cousteau. Minha irmã tinha três anos quando ele morreu. Eu nasci sete meses após sua morte. Para homenagear sua memória, eu e minha irmã fundamos nos Estados Unidos uma organização não governamental chamada EarthEcho International. Foi uma forma de dar prosseguimento ao seu trabalho.
Moon – O que faz a EarthEcho?
Cousteau – Meu pai foi um visionário na compreensão da conexão humana com o meio ambiente. Minha irmã e eu damos prosseguimento ao seu legado, ao explorar os mares através de documentários como a série Oceanos. Através da nova série, procuro mostrar quais são os efeitos negativos, mas também positivos, do ser humano sobre o meio ambiente marinho. O ser humano faz parte do meio ambiente. Creio que ainda persiste em muitos setores da sociedade o mito de que o homem é o senhor da natureza, e que temos o direito de fazer dela o que bem entendermos, quando na verdade, como qualquer animal, nós precisamos de ar puro e de água limpa para sobreviver. Ao insistir nesta falsa premissa, a humanidade corre um sério risco. O trabalho da EarthEcho é transmitir esta mensagem a uma nova geração, uma geração que não cresceu assistindo os filmes do meu avô. Compartilhar este espírito é o que significa ser um Cousteau.
Moon – No primeiro episódio de Oceanos, você mergulhou no mar de Cortéz, no México. Há 15 anos, ali havia uma enorme concentração de tubarões martelo. Mas hoje, não acharam quase nenhum.
Cousteau – No mar de Cortéz, onde havia centenas de tubarões martelo, só encontramos alguns filhotes vivos – além de duas ou três carcaças de filhotes apodrecendo na praia, sem as barbatanas. O comércio de barbatanas para satisfazer na Ásia os apreciadores da sopa que se faz com elas é responsável pela morte de milhões de tubarões anualmente. Foi o que aconteceu no mar de Cortez. Seus tubarões martelo desapareceram. E isto aconteceu rapidamente. É alarmante. Muita gente não sabe como os tubarões são importantes para a saúde do ecossistema marinho. Quando se mata tubarões, estão se matando os animais que mantêm a saúde do mar. São eles que comem os peixes doentes, velhos e fracos. São eles que limpam as águas das carcaças dos animais mortos. Sem os tubarões para realizar este trabalho, doenças podem se alastrar pelos cardumes, dizimando os estoques de peixes e destruindo ecossistemas inteiros.
Moon – A tragédia dos tubarões é apenas um aspecto da rapina que a indústria pesqueira realiza nos mares.
Cousteau – Sim. Assim como os tubarões, o atum do Atlântico norte está numa situação crítica, da qual ele não deve se salvar. O atum do Atlântico norte está em vias de extinção. O mesmo ocorre com várias espécies em todos os mares. Para quem nunca teve a oportunidade de ver na sua frente um grande navio-pesqueiro do Japão, da China, de Taiwan ou da Rússia, é difícil compreender a escala da pesca industrial e quão devastadora é a tecnologia que eles usam. Os navios são grandes como transatlânticos. Suas redes de arrasto varrem e destroem todo o solo marinho. Nada escapa delas. O que sobra é um leito marinho destroçado e estéril. Tudo que é recolhido pelas redes é trazido para a superfície. Mas no navio só ficam as poucas espécies de valor comercial. Todo o resto é jogado fora, morto. A pesca industrial é insustentável e essencialmente criminosa. É um crime que a Europa e os Estados Unidos não façam nada para impedir a extinção dos cardumes. Na Europa, na África e na América Latina, muitos países insistem em ignorar que a pesca seletiva e sustentável, respeitando-se cotas e evitando a pesca na época de reprodução, é a melhor forma de defender os interesses dos pescadores. Prosseguir com a pesca predatória, ignorando os alertas dos cientistas, é o caminho certo para a falência da indústria pesqueira e o desemprego de milhões de pescadores – sem falar na extinção de diversas espécies.
Moon – A solução seria banir a pesca internacional para recompor os cardumes, como foi feito com a caça às baleias há 20 anos?
Cousteau – Sim. Mas não é o suficiente. É verdade que, no caso das baleias, 20 anos de banimento da pesca ajudou a elevar o número de animais - apesar de a Islândia, o Japão e a Noruega continuar a infringir criminosamente as leis internacionais. Mas a quantidade de baleias existente hoje ainda não se compara nem de perto àquela anterior ao início da caça, no século XVIII. E nem todas as espécies se recuperaram. É o caso da baleia franca do Atlântico. Seus números não cresceram. Hoje, só restam 300. É muito provável que este número não seja suficiente para livrar a espécie da extinção.
Publicado originalmente em Época Online, em 21/04/2009.
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