Nesta entrevista, o ex-cientista-chefe da Microsoft Nathan Myhrvold diz que seu objetivo é dominar algumas patentes importantes para poder investir em novas invenções, como num ciclo. "Saí da Microsoft para ter mais tempo livre e sair à procura de dinossauros", afirma Myhrvold, que tem um esqueleto de tiranossauro rex em casa.
Peter Moon
Nathan Myrhvold foi um garoto prodígio. Ele se doutorou com 23 anos e foi estudar cosmologia com o célebre físico inglês Stephen Hawking. Poucos anos depois, já era o cientista-chefe de Bill Gates, encarregado de criar o Microsoft Research, o laboratório da empresa. Myrhvold pediu as contas em 2000, embolsou US$ 650 milhões em ações da empresa e resolveu criar uma empresa, ou melhor, um novo modelo de negócios. Trata-se de um linha de produção de invenções. Seu objetivo declarado? Dominar a indústria de tecnologia.
Leia nesta entrevista a por que ele é hoje um dos homens mais temidos do Vale do Silício, nos Estados Unidos.
Peter Moon – Como cientista chefe da Microsoft e responsável pela criação da Microsoft Research em 1990, o senhor tinha um ótimo emprego, ganhava milhões e chefiava centenas de pessoas brilhantes. Por que decidiu sair em 1999?
Nathan Myhrvold – Não havia nada de errado com a Microsoft. Eu queria ter mais controle sobre o meu tempo, para ficar mais com minha família, viajar mais, coisas assim. Mas, sobretudo, eu queria ter controle sobre as áreas com as quais trabalharia. Na Microsoft, eu me dedicava praticamente só ao software. Para a empresa estava perfeito daquele jeito, mas eu queria fazer mais. Na vida em geral, quanto melhor você realizar um trabalho, mais responsabilidades e restrições terá. É só quando se reage que se obtém alguma liberdade. A única instituição no mundo que fornece tempo livre em troca de bom comportamento é a prisão (risos). Na maioria dos empregos, quem trabalha bem não ganha mais tempo livre. Ao contrário, recebe mais responsabilidade. Então, apesar de eu adorar a Microsoft, eu queria fazer as coisas do meu jeito, no meu próprio ritmo, e com os assuntos que me interessavam.
Moon – Como se define o processo da invenção? Como o senhor a propicia dentro do seu negócio?
Myhrvold – A invenção, assim como a criatividade, é muito difícil de encontrar. Na Intellectual Ventures, nós tentamos criar a melhor atmosfera para a invenção. Isto se dá por meio da reunião das pessoas certas, pessoas muito inteligentes e com grande domínio de uma determinada área do conhecimento que é o foco daquela reunião. Convidamos também outras pessoas brilhantes, mas com domínio em outras áreas. Mas a invenção só acontece quando alguém tem uma grande idéia. Apesar de tentarmos criar as circunstâncias ideais para que ocorra, não se pode forçá-la a acontecer.
Moon – A invenção é fruto da genialidade, da inspiração ou da transpiração?
Myhrvold – É uma mistura de tudo isto. Thomas Alva Edison (o inventor do gramofone) foi quem disse que a invenção é 1% inspiração e 99% transpiração. Isso é parcialmente verdade, é preciso dar um duro danado para inventar alguma coisa. A genialidade, ou melhor, o fator genético, não importa tanto. Grandes idéias podem surgir de pessoas que nunca criaram nada. No entanto, existem algumas pessoas que são boas no ato de inventar, e elas tendem a perceber o mundo de modo diferente dos outros. Existe um antigo provérbio iídiche que diz, “quem quer que tenha inventado a água, com certeza não foi o peixe”. Em outras palavras, algo pode estar bem diante dos seus olhos e você simplesmente não vê. Os inventores costumam enxergar o mundo de um jeito diferente. Eles não aceitam o fato de que alguma coisa seja impossível. Tendem a rejeitar afirmações como “isto não tem solução”. Com freqüência, o fator mais importante para possibilitar uma invenção é a crença de que um determinado problema pode ser resolvido.
Moon – Quando o senhor percebeu que este processo inventivo poderia ser acelerado por meio da reunião de cientistas?
Myhrvold – Eu tinha um palpite que daria certo. Mas se você me pedisse para prová-lo antes de ter tentado, acho que não conseguiria. A premissa básica é: quem tem tempo para fazer apenas o que gosta eventualmente fará um trabalho cada vez melhor. Se este alguém é criativo, ele poderá ser muito mais criativo caso empregue todo o seu tempo pensando em como solucionar problemas. Esta é a lógica que aplicamos na Intellectual Ventures. É o nosso modelo de negócios. Procuramos reunir pesquisadores que ocasionalmente inventaram alguma coisa, mas que agora passam a maior parte do tempo cuidando das aulas na universidade ou da administração de suas empresas. Quando eles têm a oportunidade de focar toda a sua atenção no processo inventivo, a probabilidade de que tenham novas idéias é muito maior.
Moon – Como foi o resultado?
Myhrvold – Francamente, eu não fazia idéia de como iríamos nos sair. Eu acreditava na idéia e consegui transmitir esta fé aos investidores de risco. Mas foi apenas quando começamos a fazê-lo que vimos que funcionava. De fato, o processo funciona muito melhor do que eu jamais poderia imaginar. Das reuniões começaram a pipocar um número enorme de novas idéias. Se a reunião começa focada numa direção específica, como a cura do câncer ou a busca de energias limpas, muitas vezes ela termina numa direção totalmente oposta, porque a inspiração das pessoas na sala os levou naquela direção. Assim, podemos começar falando sobre física e terminar conversando sobre medicina ou computação.
Moon – Como funciona uma sessão de trabalho?
Myhrvold – Sempre procuramos formar um grupo com formação bem diversificada. Por exemplo, se a sessão é sobre inventos na medicina, temos médicos de várias especialidades, mas sempre temos alguém que faz algo completamente diferente. O mesmo vale para todas as outras áreas do conhecimento. O desafio está em formar o grupo certo. A mágica acontece quando pessoas de áreas diferentes e que nunca conversaram começam a trocar idéias. É a arte de conectar pessoas. Quando isto acontece, os participantes acabam contribuindo em áreas para as quais eles nunca acharam que poderiam contribuir, porque cada um deles tem apenas uma peça do quebra-cabeça. Olhada isoladamente, aquela peça não parece ser importante. Sua importância surge apenas quando se forma todo o quebra-cabeça.
Moon – De que maneira seu modelo de negócios difere da pesquisa realizada nos laboratórios da IBM, na Universidade Stanford ou nas empresas ponto.com do Vale do Silício?
Myhrvold – O modelo mais próximo do nosso foi aquele criado por Thomas Alva Edison, na segunda metade do século 19. Na verdade, Edison foi o criador do nosso modelo de negócios. A IBM Research, o Bell Labs e a Microsoft Research, que eu fundei, são baseados em idéias diferentes. Em primeiro lugar, eles fazem pesquisa, nós inventamos. O foco deles está em resolver um problema, o nosso em buscar soluções. As duas coisas parecem similares, mas suas implicações são diferentes. Quem se prende a um único problema pode correr o risco de ficar preso a ele pelo resto da vida. Um exemplo é a Inteligência Artificial. Seus defensores estão pesquisando há mais de 50 anos, sem obter muito progresso, o que é desapontador. Nós seguimos um caminho diferente. Não nos preocupamos com nenhum problema específico. Eu adoraria me deter no problema da Inteligência Artificial. Eu gastaria um pouco de tempo com ele. Mas, em seguida, iria tentar alguma outra coisa. Não tentamos trabalhar infinitamente num único problema. Para nós, o importante é investigar sistematicamente uma área do conhecimento. Não há nada de errado com a pesquisa. O trabalho da IBM, do Bell Labs e da Microsoft Research é importante, mas é diferente da invenção. Um inventor está interessado em criar uma nova tecnologia, algo totalmente novo.
Existem no mundo centenas de instituições cujo foco é a pesquisa, mas quase nenhuma focada na invenção. Como acho que somos a única, é muito fácil sermos a melhor. Sempre existiram muitas pessoas ao redor do mundo que eram inventores e ganharam dinheiro com as suas próprias invenções. Alguns criaram empresas baseadas em suas invenções. Esta é a principal diferença entre a Intellectual Ventures e Thomas Edison. Seu laboratório em Menlo Park, Nova Jersey, era ótimo, mas tudo girava em torno de um único gênio, ele mesmo. Seus empregados estavam lá apenas para ajudá-lo. Nós não temos um único gênio. Temos 75. A maioria trabalha conosco em período parcial. Eles têm outro trabalho ou são aposentados. São professores numa universidade ou têm a própria empresa. Em nosso modelo de negócios nós os chamamos de “inventores de risco”. É divertido, pois um inventor de risco se diverte com o que faz e pode ganhar muito dinheiro.
Moon – Poderia dar um exemplo de uma invenção que o impressionou, entre as mais de três mil patentes que a Intellectual Ventures registrou?
Myhrvold – Uma das idéias que surgiram e da qual me orgulho aconteceu numa sessão médica. Ela começou com a seguinte pergunta: quando alguém tem câncer e as células cancerígenas começam a se espalhar pelo corpo, quantas vezes as células malignas circulam pela corrente sanguínea antes de se fixar num outro órgão e desenvolver um novo tumor? Um dos participantes, que nunca estudou o assunto, fez alguns cálculos e chegou à seguinte resposta: um milhão de vezes. É impressionante. Se as células cancerígenas circulam pelo sangue tantas vezes, temos uma oportunidade enorme para interceptá-las antes que se fixem, criando metástase.
Moon – Dê outros exemplos.
Myhrvold – Um outro exemplo é um projeto muito ambicioso de criar um reator nuclear limpo. Digo que é muito ambicioso porque será necessário muito esforço e vários anos para descobrir como ele funcionará e se será confiável. O passo seguinte será construir um primeiro reator de teste, etc. Ele será muito mais eficiente que os reatores atuais. Usará novos tipos de combustível, como urânio empobrecido. O planeta possui 100 vezes mais urânio empobrecido do que outros isótopos de urânio. Isto sem falar no fato de que o urânio empobrecido, também conhecido como urânio exaurido ou urânio esgotado, é o lixo radioativo, o subproduto da queima de urânio nas centrais nucleares. Ou seja, não haveria mais a necessidade de se encontrar um fim para o lixo nuclear, pois ele viraria combustível, uma fonte de energia mais abundante e barata do que o urânio hoje empregado. Eu acredito que é importante termos várias idéias como esta. Muitas podem não dar em nada. Talvez nenhuma resulte numa nova tecnologia, talvez só uma ou duas. Mas, se não tentarmos buscar novas soluções, vamos ficar parados no tempo.
Moon – Algum outro exemplo de avanço na área de saúde?
Myhrvold – Temos diversas invenções relacionadas com o combate à malária. Vão desde novas técnicas para o controle dos mosquitos transmissores, passando por novos métodos de diagnóstico, até chegar a novas terapias de tratamento. Qualquer avanço nessa área significa criar a esperança de erradicação de uma doença que ataca 500 milhões de pessoas por ano (90% delas na África).
Moon – De qual invenção o mundo mais necessita?
Myhrvold – Acredito que a coisa mais urgente é desenvolvermos uma fonte barata de energia limpa. É a coisa mais importante. Todo mundo quer uma vida melhor. Nos Estados Unidos, nossa qualidade de vida já é bastante boa. A maioria dos habitantes do planeta deseja a mesma qualidade de vida. Só que praticamente não existe meio de suprir esta demanda sem uma nova fonte abundante e barata de energia. Ela também precisa ser limpa, para não acelerarmos o aquecimento da Terra nem a poluição da atmosfera.
Moon – Todo engenheiro com quem converso diz que a solução é a energia solar. Mas ela ainda é muito cara.
Myhrvold – A energia solar é uma solução, mas não é a única. A energia solar tem as suas vantagens, mas a energia geotérmica, aquela que aproveita o calor do interior do planeta, também tem vantagens. Quando se conseguir perfurar de forma barata um poço muito mais profundo do que o de petróleo, a geotermia será a solução. Bastará injetar água no poço, que retornará à superfície na forma de vapor em alta pressão para movimentar turbinas de geração de energia. Isso já acontece na Islândia, onde o magma encontra-se próximo da superfície. Então, o que será mais fácil: perfurar poços profundos e baratos ou construir painéis solares baratos? Eu não sei. Uma outra possibilidade é o novo tipo de reator nuclear que estamos pesquisando.
Moon – Algumas corporações temem que sua empresa venha a controlar patentes-chaves da indústria.
Myhrvold – Eu sinceramente espero que isto aconteça (risos). É o nosso objetivo. Eu o vejo como uma coisa boa, e não ruim. Se controlarmos umas poucas grandes patentes, vamos ganhar muito dinheiro, poderemos pagar nossos investidores e atrair outros. O ciclo é igual ao de qualquer negócio.
Moon – O senhor tem mesmo um tiranossauro rex em sua sala?
Myhrvold – Sim, e estou olhando para ele agora mesmo. Eu o descobri em uma de minhas expedições.
Moon – Nathan, você realmente se diverte com o que faz, não é?
Myhrvold – Claro. Esta é uma outra forma de responder à sua primeira pergunta: por que eu deixei a Microsoft? Foi para ter tempo livre e sair procurando dinossauros.
Publicado originalmente em Época, em 15/09/2008.
Peter Moon
Nathan Myrhvold foi um garoto prodígio. Ele se doutorou com 23 anos e foi estudar cosmologia com o célebre físico inglês Stephen Hawking. Poucos anos depois, já era o cientista-chefe de Bill Gates, encarregado de criar o Microsoft Research, o laboratório da empresa. Myrhvold pediu as contas em 2000, embolsou US$ 650 milhões em ações da empresa e resolveu criar uma empresa, ou melhor, um novo modelo de negócios. Trata-se de um linha de produção de invenções. Seu objetivo declarado? Dominar a indústria de tecnologia.
Leia nesta entrevista a por que ele é hoje um dos homens mais temidos do Vale do Silício, nos Estados Unidos.
Peter Moon – Como cientista chefe da Microsoft e responsável pela criação da Microsoft Research em 1990, o senhor tinha um ótimo emprego, ganhava milhões e chefiava centenas de pessoas brilhantes. Por que decidiu sair em 1999?
Nathan Myhrvold – Não havia nada de errado com a Microsoft. Eu queria ter mais controle sobre o meu tempo, para ficar mais com minha família, viajar mais, coisas assim. Mas, sobretudo, eu queria ter controle sobre as áreas com as quais trabalharia. Na Microsoft, eu me dedicava praticamente só ao software. Para a empresa estava perfeito daquele jeito, mas eu queria fazer mais. Na vida em geral, quanto melhor você realizar um trabalho, mais responsabilidades e restrições terá. É só quando se reage que se obtém alguma liberdade. A única instituição no mundo que fornece tempo livre em troca de bom comportamento é a prisão (risos). Na maioria dos empregos, quem trabalha bem não ganha mais tempo livre. Ao contrário, recebe mais responsabilidade. Então, apesar de eu adorar a Microsoft, eu queria fazer as coisas do meu jeito, no meu próprio ritmo, e com os assuntos que me interessavam.
Moon – Como se define o processo da invenção? Como o senhor a propicia dentro do seu negócio?
Myhrvold – A invenção, assim como a criatividade, é muito difícil de encontrar. Na Intellectual Ventures, nós tentamos criar a melhor atmosfera para a invenção. Isto se dá por meio da reunião das pessoas certas, pessoas muito inteligentes e com grande domínio de uma determinada área do conhecimento que é o foco daquela reunião. Convidamos também outras pessoas brilhantes, mas com domínio em outras áreas. Mas a invenção só acontece quando alguém tem uma grande idéia. Apesar de tentarmos criar as circunstâncias ideais para que ocorra, não se pode forçá-la a acontecer.
Moon – A invenção é fruto da genialidade, da inspiração ou da transpiração?
Myhrvold – É uma mistura de tudo isto. Thomas Alva Edison (o inventor do gramofone) foi quem disse que a invenção é 1% inspiração e 99% transpiração. Isso é parcialmente verdade, é preciso dar um duro danado para inventar alguma coisa. A genialidade, ou melhor, o fator genético, não importa tanto. Grandes idéias podem surgir de pessoas que nunca criaram nada. No entanto, existem algumas pessoas que são boas no ato de inventar, e elas tendem a perceber o mundo de modo diferente dos outros. Existe um antigo provérbio iídiche que diz, “quem quer que tenha inventado a água, com certeza não foi o peixe”. Em outras palavras, algo pode estar bem diante dos seus olhos e você simplesmente não vê. Os inventores costumam enxergar o mundo de um jeito diferente. Eles não aceitam o fato de que alguma coisa seja impossível. Tendem a rejeitar afirmações como “isto não tem solução”. Com freqüência, o fator mais importante para possibilitar uma invenção é a crença de que um determinado problema pode ser resolvido.
Moon – Quando o senhor percebeu que este processo inventivo poderia ser acelerado por meio da reunião de cientistas?
Myhrvold – Eu tinha um palpite que daria certo. Mas se você me pedisse para prová-lo antes de ter tentado, acho que não conseguiria. A premissa básica é: quem tem tempo para fazer apenas o que gosta eventualmente fará um trabalho cada vez melhor. Se este alguém é criativo, ele poderá ser muito mais criativo caso empregue todo o seu tempo pensando em como solucionar problemas. Esta é a lógica que aplicamos na Intellectual Ventures. É o nosso modelo de negócios. Procuramos reunir pesquisadores que ocasionalmente inventaram alguma coisa, mas que agora passam a maior parte do tempo cuidando das aulas na universidade ou da administração de suas empresas. Quando eles têm a oportunidade de focar toda a sua atenção no processo inventivo, a probabilidade de que tenham novas idéias é muito maior.
Moon – Como foi o resultado?
Myhrvold – Francamente, eu não fazia idéia de como iríamos nos sair. Eu acreditava na idéia e consegui transmitir esta fé aos investidores de risco. Mas foi apenas quando começamos a fazê-lo que vimos que funcionava. De fato, o processo funciona muito melhor do que eu jamais poderia imaginar. Das reuniões começaram a pipocar um número enorme de novas idéias. Se a reunião começa focada numa direção específica, como a cura do câncer ou a busca de energias limpas, muitas vezes ela termina numa direção totalmente oposta, porque a inspiração das pessoas na sala os levou naquela direção. Assim, podemos começar falando sobre física e terminar conversando sobre medicina ou computação.
Moon – Como funciona uma sessão de trabalho?
Myhrvold – Sempre procuramos formar um grupo com formação bem diversificada. Por exemplo, se a sessão é sobre inventos na medicina, temos médicos de várias especialidades, mas sempre temos alguém que faz algo completamente diferente. O mesmo vale para todas as outras áreas do conhecimento. O desafio está em formar o grupo certo. A mágica acontece quando pessoas de áreas diferentes e que nunca conversaram começam a trocar idéias. É a arte de conectar pessoas. Quando isto acontece, os participantes acabam contribuindo em áreas para as quais eles nunca acharam que poderiam contribuir, porque cada um deles tem apenas uma peça do quebra-cabeça. Olhada isoladamente, aquela peça não parece ser importante. Sua importância surge apenas quando se forma todo o quebra-cabeça.
Moon – De que maneira seu modelo de negócios difere da pesquisa realizada nos laboratórios da IBM, na Universidade Stanford ou nas empresas ponto.com do Vale do Silício?
Myhrvold – O modelo mais próximo do nosso foi aquele criado por Thomas Alva Edison, na segunda metade do século 19. Na verdade, Edison foi o criador do nosso modelo de negócios. A IBM Research, o Bell Labs e a Microsoft Research, que eu fundei, são baseados em idéias diferentes. Em primeiro lugar, eles fazem pesquisa, nós inventamos. O foco deles está em resolver um problema, o nosso em buscar soluções. As duas coisas parecem similares, mas suas implicações são diferentes. Quem se prende a um único problema pode correr o risco de ficar preso a ele pelo resto da vida. Um exemplo é a Inteligência Artificial. Seus defensores estão pesquisando há mais de 50 anos, sem obter muito progresso, o que é desapontador. Nós seguimos um caminho diferente. Não nos preocupamos com nenhum problema específico. Eu adoraria me deter no problema da Inteligência Artificial. Eu gastaria um pouco de tempo com ele. Mas, em seguida, iria tentar alguma outra coisa. Não tentamos trabalhar infinitamente num único problema. Para nós, o importante é investigar sistematicamente uma área do conhecimento. Não há nada de errado com a pesquisa. O trabalho da IBM, do Bell Labs e da Microsoft Research é importante, mas é diferente da invenção. Um inventor está interessado em criar uma nova tecnologia, algo totalmente novo.
Existem no mundo centenas de instituições cujo foco é a pesquisa, mas quase nenhuma focada na invenção. Como acho que somos a única, é muito fácil sermos a melhor. Sempre existiram muitas pessoas ao redor do mundo que eram inventores e ganharam dinheiro com as suas próprias invenções. Alguns criaram empresas baseadas em suas invenções. Esta é a principal diferença entre a Intellectual Ventures e Thomas Edison. Seu laboratório em Menlo Park, Nova Jersey, era ótimo, mas tudo girava em torno de um único gênio, ele mesmo. Seus empregados estavam lá apenas para ajudá-lo. Nós não temos um único gênio. Temos 75. A maioria trabalha conosco em período parcial. Eles têm outro trabalho ou são aposentados. São professores numa universidade ou têm a própria empresa. Em nosso modelo de negócios nós os chamamos de “inventores de risco”. É divertido, pois um inventor de risco se diverte com o que faz e pode ganhar muito dinheiro.
Moon – Poderia dar um exemplo de uma invenção que o impressionou, entre as mais de três mil patentes que a Intellectual Ventures registrou?
Myhrvold – Uma das idéias que surgiram e da qual me orgulho aconteceu numa sessão médica. Ela começou com a seguinte pergunta: quando alguém tem câncer e as células cancerígenas começam a se espalhar pelo corpo, quantas vezes as células malignas circulam pela corrente sanguínea antes de se fixar num outro órgão e desenvolver um novo tumor? Um dos participantes, que nunca estudou o assunto, fez alguns cálculos e chegou à seguinte resposta: um milhão de vezes. É impressionante. Se as células cancerígenas circulam pelo sangue tantas vezes, temos uma oportunidade enorme para interceptá-las antes que se fixem, criando metástase.
Moon – Dê outros exemplos.
Myhrvold – Um outro exemplo é um projeto muito ambicioso de criar um reator nuclear limpo. Digo que é muito ambicioso porque será necessário muito esforço e vários anos para descobrir como ele funcionará e se será confiável. O passo seguinte será construir um primeiro reator de teste, etc. Ele será muito mais eficiente que os reatores atuais. Usará novos tipos de combustível, como urânio empobrecido. O planeta possui 100 vezes mais urânio empobrecido do que outros isótopos de urânio. Isto sem falar no fato de que o urânio empobrecido, também conhecido como urânio exaurido ou urânio esgotado, é o lixo radioativo, o subproduto da queima de urânio nas centrais nucleares. Ou seja, não haveria mais a necessidade de se encontrar um fim para o lixo nuclear, pois ele viraria combustível, uma fonte de energia mais abundante e barata do que o urânio hoje empregado. Eu acredito que é importante termos várias idéias como esta. Muitas podem não dar em nada. Talvez nenhuma resulte numa nova tecnologia, talvez só uma ou duas. Mas, se não tentarmos buscar novas soluções, vamos ficar parados no tempo.
Moon – Algum outro exemplo de avanço na área de saúde?
Myhrvold – Temos diversas invenções relacionadas com o combate à malária. Vão desde novas técnicas para o controle dos mosquitos transmissores, passando por novos métodos de diagnóstico, até chegar a novas terapias de tratamento. Qualquer avanço nessa área significa criar a esperança de erradicação de uma doença que ataca 500 milhões de pessoas por ano (90% delas na África).
Moon – De qual invenção o mundo mais necessita?
Myhrvold – Acredito que a coisa mais urgente é desenvolvermos uma fonte barata de energia limpa. É a coisa mais importante. Todo mundo quer uma vida melhor. Nos Estados Unidos, nossa qualidade de vida já é bastante boa. A maioria dos habitantes do planeta deseja a mesma qualidade de vida. Só que praticamente não existe meio de suprir esta demanda sem uma nova fonte abundante e barata de energia. Ela também precisa ser limpa, para não acelerarmos o aquecimento da Terra nem a poluição da atmosfera.
Moon – Todo engenheiro com quem converso diz que a solução é a energia solar. Mas ela ainda é muito cara.
Myhrvold – A energia solar é uma solução, mas não é a única. A energia solar tem as suas vantagens, mas a energia geotérmica, aquela que aproveita o calor do interior do planeta, também tem vantagens. Quando se conseguir perfurar de forma barata um poço muito mais profundo do que o de petróleo, a geotermia será a solução. Bastará injetar água no poço, que retornará à superfície na forma de vapor em alta pressão para movimentar turbinas de geração de energia. Isso já acontece na Islândia, onde o magma encontra-se próximo da superfície. Então, o que será mais fácil: perfurar poços profundos e baratos ou construir painéis solares baratos? Eu não sei. Uma outra possibilidade é o novo tipo de reator nuclear que estamos pesquisando.
Moon – Algumas corporações temem que sua empresa venha a controlar patentes-chaves da indústria.
Myhrvold – Eu sinceramente espero que isto aconteça (risos). É o nosso objetivo. Eu o vejo como uma coisa boa, e não ruim. Se controlarmos umas poucas grandes patentes, vamos ganhar muito dinheiro, poderemos pagar nossos investidores e atrair outros. O ciclo é igual ao de qualquer negócio.
Moon – O senhor tem mesmo um tiranossauro rex em sua sala?
Myhrvold – Sim, e estou olhando para ele agora mesmo. Eu o descobri em uma de minhas expedições.
Moon – Nathan, você realmente se diverte com o que faz, não é?
Myhrvold – Claro. Esta é uma outra forma de responder à sua primeira pergunta: por que eu deixei a Microsoft? Foi para ter tempo livre e sair procurando dinossauros.
Publicado originalmente em Época, em 15/09/2008.
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