O Homo sapiens parou de evoluir há 10 mil anos, quando criou as primeiras cidades e começou a moldar o meio ambiente às próprias necessidades. Será mesmo?
PETER MOON
Se você tem olhos azuis, pode-se considerar um mutante. Em sua companhia estão 300 milhões de pessoas, um em cada 20 humanos. Os outros 19 têm olhos castanhos (ou as suas descolorações, o verde e o cinza). Assim tem sido desde a evolução do Homo sapiens na África, há 200 mil anos. Os olhos azuis são muito recentes. A mutação que lhes deu origem surgiu no Leste Europeu, entre 6 mil e 10 mil anos atrás. Não se sabe a razão pela qual ter olhos da cor do céu conferiu aos seus donos maiores chances de ter filhos. Seria porque olhos azuis são belos? Não sabemos. O fato é que, uma vez que existiam, os olhos azuis se espalharam rapidamente pela Europa. Hoje, as pessoas de olhos azuis formam uma minoria expressiva da humanidade. Logo, a nossa espécie continua evoluindo. Não paramos no tempo. Esta conclusão parece óbvia. Não é. Longe disso. Há quem diga que a evolução humana está acelerando.
Em A descendência do homem (1871), Charles Darwin enxergou o Homo sapiens sob a ótica da seleção natural. O que Darwin descreveu foi um macaco nu. Este primata não era forte como as feras que o perseguiam nem ágil como os seus primos das árvores. Era inteligente. Bastou esta arma para, há 10 mil anos, inventarmos a agricultura, domesticarmos animais e fundarmos as primeiras cidades. Segundo uma corrente majoritária dos pesquisadores, ao trocar a imprevisibilidade da natureza pela urbe sintética, nossos ancestrais eliminaram os fatores que desde sempre pressionavam a adaptação da espécie ao meio. Nossa evolução congelou. “Não ocorreu nenhuma mudança biológica nos humanos em 50 mil anos,” escreveu em 2000 o zoólogo americano Stephen Jay Gould (1941-2002). “Tudo o que chamamos de cultura e civilização, nós construímos com o mesmo corpo e e o mesmo cérebro.”
Se fosse assim, como explicar os olhos azuis? Como explicar a redução do tamanho dos nossos dentes? Sim, eles já foram maiores. Antes da agricultura, nossos ancestrais eram caçadores e coletores. O sustento diário era composto de frutas e raízes, daí a necessidade de ter dentes grandes e resistentes, ca- pazes de morder cascas grossas e roer tubérculos. Para comer carne, antes era preciso matar o mamute. Quando isto ocorria, a tribo fazia um banquete.
A domesticação do gado introduziu a carne no dia-a-dia dos primeiros pasto- res. Sua digestão precisou se adaptar àquela fartura de proteína animal até então desconhecida. O melhor exemplo é a evolução da tolerância à lactose. Até hoje, cerca de 80% da humanidade é intolerante ao leite. O dia em que as crianças africanas e asiáticas abandonam o peito (ou a mamadeira) é o mesmo dia em que deixam de tomar leite. A exceção são os europeus e seus descendentes. Há cerca de 6 mil anos, uma mutação genética permitiu aos filhos dos pastores da Europa Central continuar tomando leite após a desmama. Adicionar à dieta um alimento rico como o leite garantiu a sobrevivência dos filhos dos pastores durante o rigoroso inverno. Continuar bebendo leite ao longo da vida era uma vantagem adaptativa importante que se espalhou rapidamente pela Europa. Mas não atingiu a Ásia nem a África.
A domesticação do gado introduziu a carne no dia-a-dia dos primeiros pastores. Sua digestão precisou se adaptar àquela fartura de proteína animal até então desconhecida. O melhor exemplo é a evolução da tolerância à lactose. Até hoje, cerca de 80% da humanidade é intolerante ao leite. O dia em que as crianças africanas e asiáticas abandonam o peito (ou a mamadeira) é o mesmo dia em que deixam de tomar leite. A exceção são os europeus e seus descendentes. Há cerca de 6 mil anos, uma mutação genética permitiu aos filhos dos pastores da Europa Central continuar tomando leite após a desmama. Adicionar à dieta um alimento rico como o leite garantiu a sobrevivência dos filhos dos pastores durante o rigoroso inverno. Continuar bebendo leite ao longo da vida era uma vantagem adaptativa importante que se espalhou rapidamente pela Europa. Mas continente subitamente despovoado.
Em 1650, éramos 500 milhões. Hoje, somos 7 bilhões. Há 14 vezes mais gente no mundo e muito mais chance de surgir mutações entre os 255 bebês que nascem a cada minuto. Mutações são corriqueiras. Cada bebê possui tem cerca de mil mutações inexistentes em seus pais. Elas surgem na fecundação, durante a combinação imperfeita dos genes do pai e da mãe. As mutações são quase sempre inofensivas. Quando surge uma mutação defeituosa, ela pode gerar mal-formação congênita ou uma doença genética. Muito raramente surge uma mutação benéfica. Imagine um bebê com um gene mutante que confere mais resistência aos raios ultra-violeta ou à poluição do ar. Esta criança terá menores chances de desenvolver câncer de pele ou sofrer de asma. Quando adulto, poderá viver mais, ter mais filhos e passar a mutação benéfica às gerações futuras. “A evolução humana se acelerou nos últimos 10 mil anos”, dizem os antropólogos americanos Gregory Cochran e Henry Harpending, da Universidade de Utah, e autores de A explosão de 10 mil anos - Como a civilização acelerou a evolução humana (2009, inédito no Brasil). “Em vez de desacelerar ou parar, ela acontece 100 vezes mais rápido do que nos 6 milhões de anos” da linhagem humana.
PETER MOON
Se você tem olhos azuis, pode-se considerar um mutante. Em sua companhia estão 300 milhões de pessoas, um em cada 20 humanos. Os outros 19 têm olhos castanhos (ou as suas descolorações, o verde e o cinza). Assim tem sido desde a evolução do Homo sapiens na África, há 200 mil anos. Os olhos azuis são muito recentes. A mutação que lhes deu origem surgiu no Leste Europeu, entre 6 mil e 10 mil anos atrás. Não se sabe a razão pela qual ter olhos da cor do céu conferiu aos seus donos maiores chances de ter filhos. Seria porque olhos azuis são belos? Não sabemos. O fato é que, uma vez que existiam, os olhos azuis se espalharam rapidamente pela Europa. Hoje, as pessoas de olhos azuis formam uma minoria expressiva da humanidade. Logo, a nossa espécie continua evoluindo. Não paramos no tempo. Esta conclusão parece óbvia. Não é. Longe disso. Há quem diga que a evolução humana está acelerando.
Em A descendência do homem (1871), Charles Darwin enxergou o Homo sapiens sob a ótica da seleção natural. O que Darwin descreveu foi um macaco nu. Este primata não era forte como as feras que o perseguiam nem ágil como os seus primos das árvores. Era inteligente. Bastou esta arma para, há 10 mil anos, inventarmos a agricultura, domesticarmos animais e fundarmos as primeiras cidades. Segundo uma corrente majoritária dos pesquisadores, ao trocar a imprevisibilidade da natureza pela urbe sintética, nossos ancestrais eliminaram os fatores que desde sempre pressionavam a adaptação da espécie ao meio. Nossa evolução congelou. “Não ocorreu nenhuma mudança biológica nos humanos em 50 mil anos,” escreveu em 2000 o zoólogo americano Stephen Jay Gould (1941-2002). “Tudo o que chamamos de cultura e civilização, nós construímos com o mesmo corpo e e o mesmo cérebro.”
Se fosse assim, como explicar os olhos azuis? Como explicar a redução do tamanho dos nossos dentes? Sim, eles já foram maiores. Antes da agricultura, nossos ancestrais eram caçadores e coletores. O sustento diário era composto de frutas e raízes, daí a necessidade de ter dentes grandes e resistentes, ca- pazes de morder cascas grossas e roer tubérculos. Para comer carne, antes era preciso matar o mamute. Quando isto ocorria, a tribo fazia um banquete.
A domesticação do gado introduziu a carne no dia-a-dia dos primeiros pasto- res. Sua digestão precisou se adaptar àquela fartura de proteína animal até então desconhecida. O melhor exemplo é a evolução da tolerância à lactose. Até hoje, cerca de 80% da humanidade é intolerante ao leite. O dia em que as crianças africanas e asiáticas abandonam o peito (ou a mamadeira) é o mesmo dia em que deixam de tomar leite. A exceção são os europeus e seus descendentes. Há cerca de 6 mil anos, uma mutação genética permitiu aos filhos dos pastores da Europa Central continuar tomando leite após a desmama. Adicionar à dieta um alimento rico como o leite garantiu a sobrevivência dos filhos dos pastores durante o rigoroso inverno. Continuar bebendo leite ao longo da vida era uma vantagem adaptativa importante que se espalhou rapidamente pela Europa. Mas não atingiu a Ásia nem a África.
A domesticação do gado introduziu a carne no dia-a-dia dos primeiros pastores. Sua digestão precisou se adaptar àquela fartura de proteína animal até então desconhecida. O melhor exemplo é a evolução da tolerância à lactose. Até hoje, cerca de 80% da humanidade é intolerante ao leite. O dia em que as crianças africanas e asiáticas abandonam o peito (ou a mamadeira) é o mesmo dia em que deixam de tomar leite. A exceção são os europeus e seus descendentes. Há cerca de 6 mil anos, uma mutação genética permitiu aos filhos dos pastores da Europa Central continuar tomando leite após a desmama. Adicionar à dieta um alimento rico como o leite garantiu a sobrevivência dos filhos dos pastores durante o rigoroso inverno. Continuar bebendo leite ao longo da vida era uma vantagem adaptativa importante que se espalhou rapidamente pela Europa. Mas continente subitamente despovoado.
Em 1650, éramos 500 milhões. Hoje, somos 7 bilhões. Há 14 vezes mais gente no mundo e muito mais chance de surgir mutações entre os 255 bebês que nascem a cada minuto. Mutações são corriqueiras. Cada bebê possui tem cerca de mil mutações inexistentes em seus pais. Elas surgem na fecundação, durante a combinação imperfeita dos genes do pai e da mãe. As mutações são quase sempre inofensivas. Quando surge uma mutação defeituosa, ela pode gerar mal-formação congênita ou uma doença genética. Muito raramente surge uma mutação benéfica. Imagine um bebê com um gene mutante que confere mais resistência aos raios ultra-violeta ou à poluição do ar. Esta criança terá menores chances de desenvolver câncer de pele ou sofrer de asma. Quando adulto, poderá viver mais, ter mais filhos e passar a mutação benéfica às gerações futuras. “A evolução humana se acelerou nos últimos 10 mil anos”, dizem os antropólogos americanos Gregory Cochran e Henry Harpending, da Universidade de Utah, e autores de A explosão de 10 mil anos - Como a civilização acelerou a evolução humana (2009, inédito no Brasil). “Em vez de desacelerar ou parar, ela acontece 100 vezes mais rápido do que nos 6 milhões de anos” da linhagem humana.
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