AS CINCO IDADES DO UNIVERSO - PARTE 3
PETER MOON
No começo, não havia nada. Aí, o nada explodiu. E do nada surgiu tudo. O Big Bang lançou matéria e energia em todas as direções há 13,75 bilhões de anos. Em nossa trajetória desde o nascimento do cosmo até o seu provável e infinito futuro, os primeiros bilionésimos de segundo foram contados na A era primordial. Foi o período da assombrosa inflação cósmica, quando o universo se expandiu a velocidades superluminosas, bilhões de vezes mais rápidas que a luz, e cresceu um milhão de trilhão de trilhão de vezes em menos de um instante, atingindo o tamanho do universo visível atual.
Albert Einstein descobriu em 1905 que a velocidade da luz (300 mil km/s) é a velocidade limite do universo. Nada pode ir mais rápido - apesar de uma experiência revelada há 20 dias com neutrinos super-velozes, que seriam mais rápidos que a luz, mas cujos resultados estão sendo contestados.
De novo, voltando a Einstein, nada no universo pode emparelhar - quanto mais ultrapassar - os 300 mil km/s da velocidade da luz. No entanto, no período inflacionário, foi exatamente o que aconteceu. Em bilionésimos de segundo, o universo se expandiu diversas ordens de magnitude mais rápido que a luz - e isto não transgrediu nem aposentou a teoria da relatividade de Einstein.
Atenção: a inflação acelerada do cosmo, que fez algo infinitesimalmente pequeno se tornar cosmologicamente imenso numa fração infinitesimal de segundo não violou o decreto einsteiniano. Einstein proibiu à matéria viajar à mesma velocidade da luz, assim como proibiu a energia de se propagar mais rapidamente que a barreira dos 300 mil km/s. Einstein não proibiu - nem previu - que o tecido do espaço-tempo pudesse ter se expandido a velocidades superluminosas.
Não importa qual tenha sido a velocidade, percebe? O espaço e o tempo são interligados. Um só existe por causa do outro, e vice-versa. Logo, o volume do universo, o que chamamos de espaço, se expandiu ao longo de um tempo infinitesimal. Inversamente, ao longo de um lapso infinitesimal o espaço atingiu as dimensões do universo visível atual. Aí, desacelerou.
Nos seus primeiros bilionésimos de segundo de existência, o universo se tornou imenso, vazio e escuro. Foi o império do vácuo perfeito. O vácuo tinha que ser preenchido. É o que vem ocorrendo há 13,7 bilhões de anos.
Toda a energia concentrada no ponto do Big Bang começou a se expandir à velocidade da luz. Ao se expandir, começou a resfriar. De uma temperatura quase infinita, caiu para 1 trilhão de graus, milhões de vezes mais quente que a temperatura no núcleo do Sol, ou 10 milhões de graus. Neste momento, imersa naquele violento oceano de energia em descontrole, a matéria como a conhecemos se formou.
Matéria e anti-matéria
Um dos maiores e mais elusivos mistérios da astrofísica é entender por que o cosmo é quase completamente composto apenas e tão somente por matéria. Quase não existe anti-matéria. Ela já foi detectada em quantidades diminutas flutuando em nuvens intergalácticas. Também já foi produzida inúmeras vezes em laboratório. A anti-matéria é o reflexo no espelho da matéria. É a sua gêmea univitelina, a sua cópia perfeita. Apenas sua carga elétrica é contrária, ou oposta.
Vivemos num mundo onde o núcleo dos átomos, formado por prótons e nêutrons, que por sua vez são formados por trios de quarks, têm carga positiva. Nuvens de elétrons de carga negativa orbitam o núcleo. No caso da anti-matéria é o contrário. Anti-prótons e anti-nêutrons formados por anti-quarks de carga negativa formam o núcleo da anti-matéria, em torno do qual orbita pósitrons, de carga positiva, os anti-elétrons.
Sempre que matéria e anti-matéria se encontram elas se aniquilam completamente, gerando uma quantidade absurda de energia. A matéria desaparece. A “combustão” é completa. A explosão, perfeita. É a maior fonte de energia conhecida da ciência.
Comparada à aniquilação da matéria com a anti-matéria, a Bomba de Hiroshima é um traque de salão. Havia 2 quilos de urânio enriquecido em “Little Boy”, a bomba que destruiu a cidade japonesa em 6 de agosto de 1945, matando 100 mil pessoas. Entre 600 e 860 miligramas (entre 0,6 e 0,86 gramas) daqueles 2 quilos de urânio foram convertidas instantaneamente em energia, equivalente a 18 quilotons, ou 18 mil toneladas de TNT.
Cada grama de matéria de qualquer elemento corresponde a quantidades absurdas de energia estabilizada... na forma de matéria. Bastou a energia de até 860 miligramas de urânio para destruir Hiroshima e lançar o mundo na Era Nuclear.
A grande aniquilação
E se a explosão fosse perfeita? E se todas as 2 mil gramas de urânio tivessem sido convertidas em energia? Esta perfeição só pode ser atingida na aniquilação de matéria e anti-matéria. É ela que, através da combustão controlada dos “cristais de dilítio”, moveria a nave estelar Enterprise a velocidades maiores que a da luz.
Muito bem. A grande charada cósmica é saber onde foi parar toda a anti-matéria? Sim, porquê o Big Bang produziu porções QUASE exatas de matéria e de anti-matéria. Quando li isto pela primeira vez, ainda menino, fiquei intrigadíssimo. Como os astrofísicos saberiam que, no início, havia 10.001 partes de matéria para cada 10.000 de anti-matéria?
Se fosse verdade, como conceber que todas as 10.000 partes de matéria e de anti-matéria se aniquilaram, sobrando apenas uma única parte extra de matéria, aquela que não encontrou seu par e sobreviveu para constituir todas as 400 bilhões de galáxias do universo visível?
A quantidade de matéria e energia confinada no ponto do Big Bang era incomensuravelmente maior do que a que sobreviveu à sua explosão...
Os astrofísicos ainda não sabem o por quê da disparidade? Por que havia uma porção ínfima de matéria extra no universo primordial? Isso não os impediu de azeitar seus cálculos. Hoje se sabe que a disparidade era bem maior. Havia 30 milhões e uma partes de matéria para cada 30 milhões de partes de anti-matéria. Este é um daqueles mistérios que, um dia, valerá ao seu decifrador um Nobel de Física.
A criação da matéria
Há 13,7 bilhões de anos, o universo embrionário se expandiu a velocidades alucinantes e praticamente aniquilou todo a qualquer traço de matéria criado no Big Bang. Sobrou aquele grão extra, tão improvável, inesperado e especial, o grão da matéria que viria a correr em nossas veias.
Quando a temperatura do universo caiu a um trilhão de graus, os quarks que sobraram da aniquilação quase completa de quarks e anti-quarks começaram a se conjugar em trios para formar prótons e neutrons.
Transcorrido o primeiro microssegundo, todos os quarks sobreviventes haviam se aprisionado eternamente no interior de prótons e neutrons, imersos num plasma de energia, de fotons (as partículas da luz) e elétrons.
O cosmo continuou se expandindo e esfriando. Quando a temperatura caiu a uns poucos bilhões de graus, os prótons começaram a capturar elétrons livres para formar os primeiros átomos do elemento hidrogênio.
A seguir, quando o cosmo resfriou mais um pouco, dois prótons e dois neutrons se aliaram para capturar um par de elétrons e formar o núcleo do elemento hélio. Por fim, três prótons e três neutrons se conjugaram para capturar um trio de elétrons e formar o elemento lítio.
A associação de quarks para formar os três elementos mais leves da tabela periódica, o hidrogênio, o hélio e o lítio, durou três segundos. Quando a temperatura do cosmo caiu a menos de um bilhão de graus, a forja elementar desligou. Cerca de 90% do cosmo era (e ainda o é) composto de hidrogênio e 9,99999% de hélio. A quantidade de lítio forjada foi risível.
Decorridos os três primeiros minutos, o cosmo continuou se expandindo e resfriando. Nada de muito anormal aconteceu nos 379 mil anos seguintes. O cosmo nasceu opaco, uma mancha de energia e matéria em expansão. Completados 379 mil anos, resfriou o suficiente, ele se tornou transparente. Foi o momento da emissão da radiação cósmica de fundo. Foi quando a luz pôde começar a viajar pelo vácuo escuro do espaço para, 13,7 bilhões de anos no futuro, atingir nossas retinas. Foi o fecho da Era Primordial.
Continuação de: A era primordial
Continua em: O candelabro estelar
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