Qual é o tamanho do microcosmo?

Faça uma viagem fantástica ao coração da matéria

PETER MOON


Na coluna Qual é o tamanho do universo?, convidei os leitores a construir uma imagem mental das dimensões do cosmo. Aqui faremos uma trajetória no sentido inverso. O destino é o coração da matéria. Trata-se de uma travessia muito mais distante. Não, não me enganei. É isso mesmo. O caminho até o coração da matéria é muito mais longo do que aquele que leva às fronteiras do cosmo.

O universo é incompreensivelmente colossal. Embora as dimensões do nosso dia-a-dia percam qualquer significado quando comparadas às vastidões intergalácticas, ainda assim as dimensões do cotidiano são enganosas. Isto porque, proporcionalmente, o diminuto no coração da matéria é algumas ordens de grandeza mais vasto do que a distância que nos separa dos limites do universo. “Há muito espaço lá em baixo” (“There`s plenty of room at the bottom”), afirmou, em 1959, o físico americano e ganhador do Nobel, Richard Feynman. Ele fazia menção à vastidão de espaços vazios que se esconde no interior da matéria. É esta vastidão oculta que me disponho a explorar.


Aqui vale o ditado: uma imagem vale mais do que mil palavras. Imagine uma trena de um metro de comprimento. Este metro é um cisco se comparado ao tamanho do universo visível. Na ponta do lápis, um metro é um comprimento 13 bilhões de trilhões de trilhões de vezes menor que o raio do universo atual, ou seja, os 13,7 bilhões de anos-luz decorridos desde o início dos tempos, no Big Bang.


Agora, o sentido inverso. Se a maior estrutura que existe é o universo, a menor é o comprimento de Planck. É a menor unidade de comprimento da Física. Seu nome é uma homenagem ao fundador da Mecânica Quântica, o físico alemão Max Planck (1858-1947). O comprimento de Planck desempenha uma função importante na física moderna, pois para comprimentos inferiores a este, tanto a Mecânica Quântica quanto a Relatividade Geral, as duas teorias basilares da Física moderna, perdem o sentido, deixando de poder descrever os comportamentos de partículas. 


Se as leis da física “perdem o sentido” em qualquer comprimento menor do que o comprimento de Planck, então o comprimento de Planck deve ser o menor comprimento do universo. Ele seria uma barreira intransponível, assim como a velocidade da luz é a velocidade limite do universo, e nada pode ser mais veloz.


O comprimento de Planck era o tamanho do universo no instante do Big Bang. O comprimento de Planck era praticamente igual a nada, salvo um cisco infinitesimal. Foi daquele cisco infinitesimal, trilhões de vezes menor do que um átomo de hidrogênio, que surgiu o universo. Num instante, não havia nada. No outro, do nada surgiu o tudo.


Qual seria o tamanho daquele quase “nada”, daquele cisco infinitesimal que os físicos convencionaram chamar de comprimento de Planck? É muito, muito, muito pequeno. O comprimento de Planck é 160 trilhões de trilhões de trilhões de vezes menor do que o metro, ou um número com 35 casas decimais depois da vírgula.


Do macrocosmo ao microcosmo

Agora retomemos a comparação do metro com o universo. O metro é 13 bilhões de trilhões de trilhões de vezes menor que o universo atual. Este mesmo metro também é 160 trilhões de trilhões de trilhões de vezes maior do que o comprimento de Planck. Basta um cálculo de divisão para se descobrir o seguinte: se, por um instante, considerássemos o comprimento de Planck como sendo igual a um metro, e multiplicássemos este metro 160 trilhões de trilhões de trilhões de vezes, teríamos uma distância equivalente a cerca de 12.300 universos. O resultado seria 12.300 vezes maior que os 13,7 bilhões de anos-luz que nos separam do Big Bang. Por consequência, a distância que nos separa do limiar do universo é proporcionalmente 12.300 vezes menor do que a distância que nos separa dos limiar da matéria.

Neste momento você talvez esteja um pouco confuso. Confesso que eu também. Nossa mente não evoluiu para trabalhar com escalas e dimensões de tamanha grandeza, sejam elas quase infinitas ou quase infinitesimais, macrocósmicas ou microcósmicas. O que tentei demonstrar acima é que o trajeto de uma viagem fantástica ao coração da matéria é 12.300 vezes mais longo – em termos tridimensionais - do que uma viagem cósmica aos confins do universo. Vamos embarcar nesta miniaturização?


Rumo à intimidade da matéria

1 - O METRO


Comprimento: 1 metro 

Tudo começa com o metro, usado para medir as dimensões do dia-a-dia do Homo sapiens. O metro é o ponto de partida de um passeio que terá várias paradas. Cada uma delas ocorrerá em um espaço tridimensional 1.000 vezes menor do que o anterior.

2 - O SAL


Comprimento: 1 milímetro (mm) = 0,001 metro 

Assim, do metro descemos ao seu milésimo, o milímetro. O diâmetro de um grão de sal é 0,5 mm. Não há desconforto em tentar visualizar esta dimensão, pois ela faz parte do nosso cotidiano, assim como fios de cabelo e cabeças de alfinete.

3 - A CÉLULA


Comprimento: 1 micrômetro (µm) = 0,000.001 metro 

Do milímetro vamos ao milionésimo do metro, que se chama micrômetro ou mícron. A microtecnologia é assim chamada porque opera na escala micrométrica. O micro é a unidade de comprimento básica da biologia. O diâmetro de uma célula de sangue é 7 µm. Este é um domínio invisível ao olho humano, que só pôde ser perscrutado a partir da invenção do microscópio, no século XVII.

4 – MOLÉCULAS E VÍRUS


Comprimento: 1 nanômetro (nm) = 0,000.000.001 metro

Encolhendo-se outras três ordens de grandeza chega-se ao nanômetro, a bilionésima parte do metro. A nanotecnologia tem este nome porque suas técnicas operam (ou um dia operarão) na escala dos nanômetros. O nanômetro é a unidade de comprimento de moléculas grandes, como o DNA, e dos vírus. O diâmetro do vírus da Aids é 90 nm. O domínio nanométrico só pôde começar a ser visualizado a partir dos anos 1930, com os primeiros microscópios eletrônicos.

5 – O ÁTOMO


Comprimento: 1 picômetro (pm) = 0,000.000.000.001 metro

A próxima parada desta miniaturização é o picômetro, a trilionésima parte do metro. Uma molécula de água mede 280 pm. O diâmetro de um átomo de hidrogênio, o menor, mais leve, mais simples e abundante dos elementos químicos, é 25 pm. Este é o domínio observado através dos microscópios de varredura. Inventados nos anos 1980, são os mais avançados.

6 – O NÚCLEO ATÔMICO


Comprimento: 1 femtômetro (fm) = 0,000.000.000.000.001 metro

Quando as dimensões atingem a quadrilionésima parte do metro, o femtômetro, adentramos os domínios subatômicos. O diâmetro médio de um núcleo atômico, com seus prótons e nêutrons reunidos, é 10 femtômetros. Já o diâmetro de prótons e nêutrons é 1 femtômetro. Ou seja, o átomo é rigorosamente uma esfera vazia no centro da qual reside um núcleo 100 mil vezes menor que o átomo. Em torno do núcleo orbita uma nuvem de elétrons à velocidade da luz. Afinal, onde está a matéria que observamos ao abrir os olhos? O que chamamos matéria é um imenso conjunto de átomos que são, essencialmente, ocos e vazios.

Aqui começa o mundo invisível da matéria. Nenhum núcleo atômico jamais foi observado por um microscópio. Não observar não é sinônimo de não conhecer. Os domínios do quadrilionésimo do metro são investigados 24 horas por dia, 365 dias por ano e milhões de vezes por segundo, no interior do Grande Colisor de Hádrons (LHC), o acelerador de partículas em Genebra. Os físicos usam o LHC para acelerar prótons a velocidades próximas às da luz e então chocá-los de frente, para assim poder estudar os escombros das trombadas à caça de partículas subatômicas desconhecidas.


7 – ELÉTRONS E QUARKS


Comprimento: 1 attômetro (am) = 0,000.000.000.000.000.001 metro

O elétron, esse nosso companheiro tão cotidiano, é o responsável pela eletricidade e por permitir o funcionamento da maioria das tecnologias da era da informação. O diâmetro de um elétron é a quintilionésima parte do metro ou 1 attômetro. É o mesmo diâmetro dos quarks, as partículas subatômicas aprisionadas no interior de prótons e nêutrons. Novamente, perceba, o núcleo atômico é outra estrutura essencialmente vazia, pois cada próton e nêutron é composto por três quarks, cada qual mil vezes menor. Logo, só 3 partes por mil do volume de um próton ou de um nêutron são ocupados por matéria. E do que são feitos os quarks? Essa é uma pergunta que os físicos procuram sem sucesso tentar responder há quase meio século. Se os quarks são ou não são indivisíveis, ainda não sabemos.

8 – NEUTRINOS ALTAMENTE ENERGIZADOS


Comprimento: 1 zeptômetro (zm) = 0,000.000.000.000.000.000.001 metro

Os neutrinos são ínfimos. São tão pequenos que quase não interagem com o restante da matéria do universo. A cada segundo, 60 milhões de neutrinos produzidos no Sol atravessam cada centímetro cúbico do seu corpo. Eles são tão diminutos que não interagem com nenhum dos trilhões de átomos aí existentes. O diâmetro de um neutrino altamente energizado é um sextilionésimo de metro ou 1 zeptômetro.

9 – O NEUTRINO DE BAIXA ENERGIA


Comprimento: 1 yoctômtero (ym) = 0,000.000.000.000.000.000.000.001 metro

O yoctômetro ou a septilionésima parte do metro, é o diâmetro de um neutrino de baixa energia. É a menor das partículas subatômicas. Se existe alguma partícula menor, ainda não foi descoberta nem prevista em teoria.

10 – O MILÉSIMO DO YOCTÔMETRO


Comprimento: 0,000.000.000.000.000.000.000.000.001 metro

Por que não há nome para uma unidade de comprimento mil vezes menor que o yoctômetro? É porque os métodos de observação atuais não alcançam distâncias tão curtas, logo esta medida não é utilizável, daí AINDA não ter nome.

11 – O MILIONÉSIMO DO YOCTÔMETRO


Comprimento: 0,000.000.000.000.000.000.000.000.000.001 metro

Idem (vide acima). A vastidão de vazios oculta no interior da matéria de que Feynman falou parece não ter fim.

12 - O BILIONÉSIMO DO YOCTÔMETRO


Comprimento: 0,000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.001 metro

Ibidem. Feynman era um gênio, um dos pensadores do século XX.

13 – O COMPRIMENTO DE PLANCK



Comprimento: 0,000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.16 metro

É o final da jornada microcósmica. O comprimento de Planck é 160 trilhões de trilhões de trilhões de vezes menor do que o metro. Ou 160 avos da bilionésima parte do yoctômetro. É o infinitamente pequeno, uma distância inconcebivelmente curta. Para os físicos defensores da Teoria das Cordas, é nesta dimensão que as tais “cordas” constituintes da matéria “vibrariam”, e da sua vibração ecoaria o mundo como o conhecemos.

O vazio universal

O comprimento de Planck é um limite universal - e um conceito teórico. Ele nunca foi observado, provavelmente nunca o será, e sua existência só é descrita por equações. Se existe algo menor, falta-nos um novo Albert Einstein, outro Isaac Newton ou um Max Planck para revelar uma lógica da Natureza insuspeita, capaz de reger a ordem universal em um nível ainda mais elementar.



Neste itinerário que parte das dimensões do nosso cotidiano até chegar ao âmago da matéria, o que salta aos olhos é o inacreditável, o quase incomensurável vazio ao qual chamamos matéria. Tanto nos mais íntimos recônditos do átomo quanto nas vastidões interestelares e intergalácticas, o que existe é o vazio - ou praticamente nada. Voltando ao Big Bang, antes dele não havia nada, e do nada brotou o tudo. E o tudo, o universo, é vazio. Logo, o nada ainda é o nada - à exceção das 400 bilhões de galáxias, com as suas centenas de bilhões de estrelas e planetas - e, claro, da vida que nos move.


P.S.


Aos interessados em visualizar o que significaria uma viagem dimensional do Big Bang ao coração da matéria, sugiro uma visita ao site A escala do universo.

E aos leitores que puderem um dia ir a Nova York, defendo ardorosamente uma visita ao Planetário Hayden, no Museu Americano de História Natural. O planetário é dos anos 1930. Ele foi reformado em 2000. Agora tem uma esfera prateada de 20 metros de diâmetro que simboliza o universo. Ao seu redor, uma rampa em espiral de 110 metros desce lentamente, envolvendo a esfera. É o Passeio Cósmico (ou Cosmic Pathway), um trajeto que nos leva do macrocosmo ao microcosmo. É um passeio inesquecível.

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