COSMOLOGIA - Saul Perlmutter, o destruidor da física


Co-descobrir que o Universo é eterno e infinito e ganhador do prêmio Nobel de Física de 2011, o americano Saul Perlmutter, põe em xeque as principais teorias sobre a evolução do cosmo. Entrevista exclusiva feita em 2008. 

PETER MOON

A física moderna está num impasse. Quem a colocou nessa situação foi o cosmologista Saul Perlmutter, professor da Universidade da Califórnia em Berkeley. Ninguém estava preparado para a descoberta dele. Em 1998, Perlmutter anunciou que o Universo está se expandindo a velocidades cada vez maiores. Ele está acelerando. A descoberta ia frontalmente contra o que previam todas as teorias criadas pelos maiores cérebros do século XX. A começar por Albert Einstein, formulador da teoria da relatividade.

Os cientistas acreditavam que, desde o Big Bang, a explosão que há 13,7 bilhões de anos deu origem ao Universo, ele vem se expandindo a velocidades decrescentes. A razão da desaceleração seria a força da gravidade de todas as galáxias, cujo poder de atração tenderia a frear a expansão, podendo até mesmo revertê-la – o que levaria o Universo a se autodestruir em um futuro Big Crunch, o oposto do Big Bang. Mas Perlmutter descobriu evidências de que o Universo está acelerando. A partir daí, a comunidade científica passou a aceitar que não haverá Big Crunch – e o Universo se expandirá para sempre

A conseqüência dessa expansão é que, daqui a 100 trilhões de anos, as galáxias estarão tão longe umas das outras que não será possível observá-las. Depois disso, todas as estrelas se extinguirão. O futuro será solitário, gelado e escuro. Há várias teorias para tentar explicar o fenômeno do “Universo acelerado”, como a descoberta de Perlmutter passou a ser conhecida. Nenhuma satisfatória. “Precisamos de uma idéia dramaticamente nova”, diz Perlmutter (leia a entrevista abaixo). “Pode ser uma nova substância no Universo, a energia escura, ou uma modificação da Teoria Geral da Relatividade, de Einstein, ou a adição de novas dimensões ao Universo”. As opções mostram como o problema proposto por Perlmutter é complicado. Só há uma certeza: cedo ou tarde, Perlmutter, hoje com 50 anos, ganhará o Nobel de Física (De fato, Perlmutter foi agraciado com o Nobel em 2011).

A descoberta do Universo acelerado não é apenas a mais importante dos últimos 50 anos. Ela rivaliza com a dos grandes gênios que estudaram o cosmo nos últimos 500 anos. Em 1514, o astrônomo polonês Nicolau Copérnico descobriu que a Terra não ocupava o centro do Universo, mas orbitava o Sol. Com um telescópio, em 1610 o italiano Galileu Galilei descobriu que a Via Láctea era composta de um número enorme de estrelas (são 400 bilhões), destronando o Sol de sua majestade de astro-rei. Em 1750, o inglês Thomas Wright sugeriu que as nebulosas observadas no céu noturno seriam galáxias como a nossa. Foram necessários 200 anos para comprovar a hipótese.

Em 1924, no observatório de Monte Palomar, na Califórnia, o americano Edwin Hubble estudou a luz de centenas de nebulosas e descobriu que todas estavam muito distantes. Eram galáxias externas à Via Láctea – constatação que derrubou a nossa galáxia do seu pedestal de centro do Universo. Hubble também constatou que a imensa maioria das galáxias está se afastando da Terra a grandes velocidades. Concluiu que o Universo está se expandindo. Ora, se as galáxias se afastam umas das outras, no passado elas ocuparam um mesmo ponto. Assim surgiu a teoria do Big Bang. É provável que Hubble tivesse ganhado o Nobel, se não tivesse morrido em 1953.

Desde os anos 1930, gênios do calibre de Einstein e Stephen Hawking se empenham em saber qual é o futuro do cosmo. A primeira grande evidência do Big Bang surgiu em 1965, quando os engenheiros americanos Arno Penzias e Robert Wilson, ao limpar uma parabólica do Bell Labs, descobriram um ruído baixíssimo e intermitente. Ele ficou conhecido como a radiação cósmica de fundo, o “eco” do Big Bang, que ressoa até hoje pelo Universo. Penzias e Wilson ganharam o Nobel em 1978. O passo seguinte foi entender por que o Big Bang não espalhou matéria e energia igualmente em todas as direções. Se fosse assim, não haveria estrelas, planetas nem vida. Mas, se nós existimos, é porque a explosão primordial distribuiu seus escombros de forma irregular, dando à matéria a chance de formar galáxias, graças à ação da gravidade. Essa distribuição irregular foi comprovada em 1992 pelo satélite COBE, projeto do físico americano George Smoot, do Laboratório Nacional Lawrence Berkeley (LBNL), na Califórnia. Em 2006, Smoot recebeu o Nobel.

O passo seguinte foi dado por Perlmutter, colega de Smoot no LBNL. “Em 1998, eu estudava a luz de supernovas distantes, estrelas gigantes que explodiram, para responder às duas principais perguntas da cosmologia”, diz. “O Universo vai durar para sempre ou um dia a expansão freará e ele começará a se contrair? O Universo é infinito ou tem uma fronteira?” Ao medir a distância da Terra até as supernovas, Perlmutter queria saber quanto o Universo estaria desacelerando desde o Big Bang. Conhecer essa desaceleração ajudaria a detectar a quantidade de massa do Universo. “Se descobríssemos que essa massa era superior a determinado limite, sua atração gravitacional acabaria por frear a expansão, provocando o colapso do Universo em um Big Crunch,” diz. “Caso a massa ficasse próxima daquele limite, a aceleração um dia cessaria, mas o Universo não se contrairia. Ele seria eterno, porém finito no espaço.” Perlmutter descobriu algo diferente: o Universo acelerado. Por essa descoberta, em 2006 ele ganhou o principal prêmio da astronomia, o Shaw, de US$ 1 milhão.

Por que o Universo está acelerando? Na falta de uma resposta, criou-se o termo “energia escura” para denominar uma força desconhecida que estaria agindo em sentido contrário ao da gravidade. O objetivo de Perlmutter é achar essa resposta. Ele espera obtê-la a partir de 2014, quando a Nasa lançar o telescópio espacial da Missão Conjunta Energia Escura. “Em 2009, a Nasa escolherá a equipe que gerenciará a missão”, diz o físico. “Nossa equipe está na concorrência”.




De olho na eternidade

O descobridor do Universo acelerado discute o sentido do futuro do cosmo.

PETER MOON – Como reagiu ao descobrir que o Universo está acelerando?
Saul Perlmutter – Fiquei muito surpreso. Sabíamos que havia a chance de obter esse resultado, mas não levávamos a possibilidade a sério. Ela nunca fez parte das discussões da cosmologia na maior parte do século XX. Quando comecei a estudar os dados da luz de supernovas distantes, tive a sensação de que algo estava errado. Quanto mais checava os resultados, ia ficando claro que o Universo estava acelerando e que deveria existir uma energia escura agindo sobre ele. A energia escura tem um sentido contrário ao da gravidade.


PM – Ninguém sabe o que é a energia escura, não é assim? 
Perlmutter – Exato. Após a descoberta, conversei com cosmologistas em busca de explicações para uma energia escura acelerando o Universo. A conclusão unânime foi que é um problema dificílimo. Ainda não temos nenhuma pista. Precisamos de alguma idéia dramaticamente nova para sair desse impasse.

PM – É preciso uma nova física? 
Perlmutter – Sim, pois a variedade de explicações é enorme. Pode-se explicar o Universo acelerado por meio de uma nova substância no Universo, a energia escura. Pode-se explicá-lo modificando a Teoria Geral da Relatividade, a teoria da gravidade de Einstein. Outra explicação viria da adição de novas dimensões ao Universo, além das três dimensões espaciais que conhecemos. Há várias idéias ambiciosas para responder à questão. É muito difícil saber qual é a correta – a menos que tenhamos dados mais precisos do que os que obtive há dez anos.

PM – Quando lemos que os físicos buscam a energia escura, esse termo pode ser trocado por “não sabemos”? 
Perlmutter – (Risos) Exatamente. Quando usamos o termo escuro, em energia escura, na verdade estamos nos referindo a algo que não compreendemos.

PM – Sua descoberta nos aproxima da Grande Teoria Unificada, que Einstein buscou em vão por 37 anos? 
Perlmutter – Eu diria que se abriu uma janela para uma nova direção. Saber que o Universo está acelerando não fornece a resposta para uma teoria unificada, mas nos dá uma pista. Entendê-la pode ajudar a completar a última lacuna na teoria unificada, que é unir a força da gravidade (que age nas distâncias astronômicas) com a mecânica quântica (que age no átomo). Aí teríamos uma única teoria para explicar a evolução do cosmo, do Big Bang ao futuro distante.

PM – Todos os anos desde 1998, quando chega o mês de outubro, o senhor fica ansioso à espera do Nobel (ele ganhou o prêmio em 2011)? 
Perlmutter – (Risos) Esses prêmios servem para chamar a atenção do público para a importância da ciência. Estou sempre tão ocupado convencendo colegas e as agências dos próximos passos do projeto que não tenho tempo para pensar nas conseqüências do que já fiz. O maior desafio é obter financiamento. Não importa quão bem eu tenha me saído no passado, o próximo desafio parece sempre mais difícil.

PM – Qual é o sentido de um Universo escuro, gelado e solitário?
Perlmutter – A primeira reação é não ver sentido. Mas, quando se pensa em quais eram as opções, é difícil imaginar outra menos desconfortável. O Universo poderia acabar em um Big Crunch. Num Universo eterno, ainda há possibilidade de existirem civilizações inteligentes.

PM – Esse futuro é compatível com a idéia de um deus criador? 
Perlmutter – Quando pensamos que o Universo teve um início, existe quem credite sua criação a um deus, enquanto outros imaginam processos naturais. Em ambos os casos, nada muda com relação ao seu destino. Os cientistas não se preocupam em estudar o propósito do Universo, mas em saber como evoluirá de um modo que faça sentido.

Originalmente publicado em 03/10/2008, na revista ÉPOCA

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