PALEONTOLOGIA - Uma receita para fazer dinossauros


O paleontólogo Jack Horner quer desconstruir o DNA das galinhas para recriar os grandes répteis do passado

PETER MOON

Quando O parque dos dinossauros estreou, em 1993, os geneticistas correram para explicar que a ciência usada no filme de Steven Spielberg era ficção científica. No filme, paleontólogos descobrem em uma mina de âmbar na República Dominicana uma gema com um mosquito perfeitamente preservado desde o tempo dos dinossauros (há mais de 65 milhões de anos). No estômago do inseto, descobrem-se células de sangue de dinossauro. Era a última refeição do pernilongo antes de ser embebido pela seiva de uma árvore, que acabou fossilizada, transformando-se em âmbar. Ao extrair o DNA do sangue dos dinossauros, os cientistas do filme conseguem reviver os répteis gigantes do passado. Assim voltam à vida a estrela do filme, o tiranossauro rex, e seus coadjuvantes, uma dupla de vorazes Velociraptors.

Na época, os geneticistas afirmaram que a ciência hollywoodiana era inviável: a molécula do DNA é extremamente frágil. Ela começa a se degradar logo após a morte de um animal ou planta. Achar DNA intacto de dinossauros extintos há dezenas de milhões de anos é, portanto, um sonho impossível. Para produzir um dinossauro, seria preciso achar algum deles ainda vivo. E isso é impossível, certo? Talvez não.

Em 1993, quando o paleontólogo americano John “Jack” Horner fez a consultoria para a reconstituição digital dos monstros do filme de Spielberg, a ideia de que as aves seriam descendentes de dinossauros ainda era uma especulação. Não mais. A partir da segunda metade dos anos 1990, diversos fósseis de dinos com penas – e também de aves com dentes – começaram a ser desenterrados na China. Se Horner fosse chamado para fazer a consultoria de uma nova versão de O parque dos dinossauros, seu tiranossauro seria emplumado. “Hoje, sabe-se que os dinossauros não se extinguiram. Eles continuam entre nós, sob a forma de aves”, diz Horner, de 64 anos, professor na Universidade de Montana e no Museu das Rochosas, nos Estados Unidos.

Como é impossível resgatar o DNA de dinossauros, Horner decidiu aplicar os princípios da engenharia reversa para desconstruir o DNA das aves, até chegar a algo parecido com um dinossauro. “As aves não têm dentes nem cauda, mas carregam o DNA dos dinossauros”, diz Horner. Os genes dos répteis gigantes do passado continuam preservados no genoma das aves. Eles só foram desativados ao longo da evolução.

“Quando for possível localizar esses genes, eles poderão ser reativados. Nos primeiros estágios de desenvolvimento, o embrião de um pintinho desenvolverá traços parecidos com os dos dinossauros, como uma longa cauda, dentes e braços com garras de três dedos.” Eis a tese defendida por Horner em Como construir um dinossauro – A extinção não precisa ser para sempre (How to Build a Dinosaur, 2009), um livro escrito com o jornalista de ciência James Gorman, do The New York Times.

Desconstruir galinhas para reconstruir dinossauros pode parecer ficção científica. Não é. A engenharia reversa foi aplicada com sucesso à genética para retraçar os caracteres ancestrais de camundongos e moscas. Entre as mais de 10 mil espécies de aves, “a escolha da galinha como ponto de partida para fazer um ‘galinhossauro’ (chickensaurus, em inglês) é natural. Conhecemos seu genoma”. No livro, Horner afirma sonhar com o dia em que mostrará um galinhossauro do tamanho de um peru, ciscando no palco do programa da apresentadora Oprah Winfrey, um dos mais populares da TV americana.

Horner não está só nessa empreitada. O geneticista Hans Larsson, da Universidade McGill, em Montreal, Canadá, o apoia. Sua equipe estuda os genes responsáveis pelo desenvolvimento da cauda. Para recriar dinossauros, Larsson quer promover o crescimento da coluna vertebral dos galináceos. “O crescimento da cauda está ligado ao da coluna. Defeitos de nascença na coluna são um problema médico importante”, diz Larsson. “Aprender a ativar e desativar esses genes pode ajudar o tratamento de humanos.”

Horner afirma que o projeto é barato. Ele diz que precisa de apenas US$ 2 milhões para, no máximo em quatro anos, desenvolver uma galinha com características de dinossauro. “Mas não seria um dinossauro de verdade. Continuaria sendo uma galinha”, diz. Contra os críticos que veem o perigo da criação de monstros em laboratório, Horner afirma: “O risco não existe. Só quando obtivermos um embrião com as características desejadas permitiremos que ele se desenvolva até o ovo chocar”. Dali sairia um “pintinhossauro”.

Apesar de ser um dos mais importantes paleontólogos vivos, Horner teve uma formação científica à margem da universidade. Nos anos 1960, depois de cursar geologia e zoologia por sete anos na Universidade de Montana sem se formar, ele serviu por dois anos nas forças especiais dos fuzileiros navais, na Guerra do Vietnã. Nos anos 1970, resolveu se dedicar a sua paixão pela paleontologia. A primeira grande descoberta veio em 1979. Foi o Maiasaura peeblesorum, um dinossauro bípede de 7 metros de comprimento.

O Maiasaura era herbívoro, tinha um bico de pato e habitou a América do Norte há 74 milhões de anos. Seu nome quer dizer “réptil boa mãe”, pois o fóssil foi achado ao lado de vários ovos. Foi o primeiro indício de que os dinossauros chocavam e tinham uma relação maternal com suas crias. Graças a sua contribuição científica, Horner recebeu em 1986 o título honorário de doutor pela Universidade de Montana. No mesmo ano, foi agraciado com uma bolsa de US$ 500 mil da Fundação MacArthur, o "prêmio dos gênios", como é conhecida a bolsa, pelo “mérito excepcional” de suas pesquisas.

“O objetivo final dessa nova pesquisa não é obter um galinhossauro, mas entender como a evolução se processa”, diz Horner. “Exibir essa criatura na Oprah Winfrey será o melhor argumento na defesa da evolução.” Essa é uma das maiores preocupações da comunidade científica dos Estados Unidos, onde só 14% da população aceita a teoria de Charles Darwin. Ainda hoje, 44% dos americanos acham que Deus criou o mundo há 10 mil anos. Para os criacionistas, os dinossauros ainda sobrevivem, escondidos em alguma selva remota. Pelo menos em uma coisa eles têm razão. “Os dinossauros não desapareceram. Só falta procurá-los no lugar certo”, diz Horner. “Eles estão ciscando no fundo do quintal.”


Publicado em Época

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