foto: D. minutus / divulgação |
Mudanças climáticas esperadas para 2050 ameaçam a sobrevivência de pererecas no Pantanal.
PETER MOON
As mudanças climáticas ao longo do século 21 são uma ameaça à biodiversidade, e que cobrará um alto preço de milhões de espécies da fauna e flora do planeta. A elevação das temperaturas médias anuais nos diversos biomas afetará tantos as espécies generalistas, que apresentam hábitos alimentares variados, alta taxa de dispersão, e que são capazes de aproveitar diferentes recursos oferecidos pelo meio ambiente, quanto as espécies especialistas. Estas últimas, que vivem apenas em um determinado hábitat ou que possuem uma dieta específica, serão vítimas particularmente severas das alterações no clima.
As espécies que reunirem condições comportamentais, fisiológicas e genéticas para melhor lidar com às novas condições, terão melhores chances de sobreviver. Já aquelas espécies mais sensíveis às mudanças climáticas e com capacidade restrita de ajuste às novas circunstâncias, deverão experimentar uma redução sensível - e em alguns casos dramática - na sua ocorrência geográfica. Em casos extremos, quando houver a ausência de adaptação, tais espécies tenderão a se extinguir localmente, ou então sobreviver em outras áreas climaticamente similares às que vivem atualmente.
Veja o caso dos anfíbios, animais que dependem da presença constante de água corrente, de água estagnada ou do ambiente úmido das florestas para sobreviver. Os biólogos Tiago Vasconcelos e Bruno do Nascimento, do Departamento de Ciências Biológicas da Universidade Estadual Paulista, campus de Bauru, acabam de publicar um estudo aonde relacionam os efeitos potenciais das mudanças climáticas esperadas para 2050, para a distribuição de quatro pererecas de ampla ocorrência geográfica na América do Sul.
O estudo “Potential Climate-Driven Impacts on the Distribution of Generalist Treefrogs in South America” foi publicado no periódico Herpetologica (http://www.bioone.org/doi/10.1655/HERPETOLOGICA-D-14-00064). Trata-se do primeiro dividendo de um trabalho amplo, que busca relacionar a influência de mudanças climáticas sobre a distribuição potencial de 350 espécies de anfíbios da Mata Atlântica e 150 espécies do Cerrado, a fim de determinar quais seriam as áreas prioritárias para conservação destas espécies.
Os autores elegeram para o estudo quatro espécies de pererecas reconhecidas como sendo de hábitos generalistas, que vivem tanto em áreas abertas quanto florestais. A Dendropsophus minutus conta com uma das maiores distribuições geográficas, habitando a maior parte da América do Sul tropical e subtropical ao leste dos Andes. Tal distribuição é muito semelhante àquela apresentada pela espécie Dendropsophus nanus. Já a Scinax fuscomarginatus é encontrada em uma grande variedade de habitats, ocorrendo desde o noroeste da Argentina até o norte da Amazônia. Por fim, a Scinax fuscovarius (também conhecida como “perereca do banheiro” por ser comumente encontrada nos ambientes domiciliares) possui uma distribuição menor do que as demais, sendo encontrada entre o centro da Argentina e o centro do Brasil.
Com relação preferências climáticas relacionadas às diversas regiões e biomas onde vivem estas pererecas, foram utilizadas seis variáveis climáticas. São elas a temperatura média anual, a temperatura máxima no mês mais quente, a temperatura mínima no mês mais frio, a quantidade anual de precipitação, a precipitação sazonal, e a quantidade de precipitação durante os três meses mais quentes do ano. Os dados climáticos atuais são da base de dados WorldClim. Já os modelos de circulação atmosférica e oceânica globais para 2050 foram reunidos no portal General Circulation Model.
Todas estas variáveis foram reunidas para se determinar as áreas climaticamente favoráveis, tanto hoje quanto em 2050, para a sobrevivência daquelas quatro espécies. Assim, estimou-se que a distribuição potencial prevista para a perereca D. minutus variaria, de acordo com os algoritmos de modelagem, de 3,3 milhões até 11,2 milhões de km2. No caso da D. nanus, a distribuição potencial seria de 2,1 milhões até 12 milhões de km2. Para a S. fuscomarginatus, a distribuição variaria de 2,3 milhões até 13,6 milhões de km2. Finalmente, a S. fuscovarius poderia habitar uma área que varia de 2,6 milhões até 14,5 milhões de km2.
Percebe-se aí uma aparente disparidade. As pererecas que atualmente contam com a maior distribuição geográfica, em termos de distribuição latitudinal, são aquelas que têm a menor distribuição potencial prevista. A explicação para isto é que o uso de diferentes algoritmos de modelagem geram, inerentemente, diferentes predições de ocorrência. Por este motivo, para minimizar a variabilidade das predições geradas por diferentes metodologias, os autores consideram um mapa consensual para a avaliação das distribuições previstas das pererecas.
Quando são considerados os cenários com as mudanças climáticas previstas para 2050, as áreas de distribuição potencial das quatro pererecas encolhem - algumas sensivelmente. Este é o caso da D. minutus, com uma perda de hábitat de 52%. Comparada com a sua distribuição atual, prevê-se que as espécies S. fuscomarginatus e a S. fuscovarius teriam uma perda de áreas climáticas apropriadas de 43% e de 31%, respectivamente. A espécie menos afetada seria D. nanus, com uma redução de hábitat potencial de 14% em 2050.
As áreas potenciais para as quatro espécies, grosso modo, se sobrepõem. Assim, e diante do cenário de mudanças climáticas, é de se esperar que as espécies com maior distribuição serão aquelas com maior perda de área climaticamente favorável. O melhor exemplo é o aferido para a perde de 52% de áreas climaticamente favoráveis para a D. minutus.
A redução da área total de hábitat potencial para cada espécie não se traduz pura e simplesmente na sua extinção. “Não estamos dizendo que estas espécies irão desaparecer,” explica Vasconcelos. As espécies que conseguirem responder às mudanças climáticas com alterações comportamentais e fisiológicas, terão grande chance de permanecer em seus habitats atuais.
Já aquelas incapazes do mesmo, tenderão a se extinguir localmente. Ou seja, populações poderão desaparecer dos locais onde o clima será diferente para a espécie como um todo, e continuarão vivendo naquelas regiões onde o clima sofrerá menos alterações.
Vasconcelos exemplifica: “Os organismos que habitam as regiões tropicais mais ao norte já estão num ambiente mais quente do que aqueles que vivem mais ao sul. Eles já sobrevivem num ambiente com alta temperatura. Estudos fisiológicos mostram que, de um modo geral, a capacidade de tolerância às temperaturas máximas variam entre 40-45ºC em anfíbios. Assim, as populações destas pererecas que vivem mais ao norte já vivem no cenário mais próximo de sua tolerância térmica máxima.” Caso, nestes locais, as temperaturas continuem subindo como os modelos indicam, há chances reais das espécies não terem adaptações necessárias para lidar com um ambiente mais quente, e então, se extinguirem localmente.
“Para lidar com um ambiente mais quente, pode haver uma mudança na época do ano quando estas espécies apresentam o seu maior nível de atividade, o que geralmente acontece durante a reprodução. Ás vezes o bicho já tem esta capacidade de adaptação, mas simplesmente não a exibe nas condições atuais onde habita porque não precisa,” diz Vasconcelos. “Uma outra alternativa de sobrevivência seria a procura por ambientes similares aos que elas viviam, o que vai depender então da capacidade de dispersão dos organismos.”
Segundo Vasconcelos, a importância do trabalho está em revelar o que pode ser esperado para as espécies generalistas, visto que o maior enfoque dos estudos deste tipo é dado para espécies mais especializadas ou ameaçadas de extinção.
Um último resultado mais alarmante é que estas pererecas generalistas não contarão com áreas favoráveis na região do Pantanal brasileiro em 2050. “Isso é preocupante para as perspectivas de sobrevivência das espécies mais especializadas, ou mesmo outras generalistas de diferentes grupos animais e vegetais.”
O objetivo maior da pesquisa financiada pela Fapesp, que é a modelagem de áreas climáticas favoráveis em 2050 para 350 espécies de anfíbios da Mata Atlântica e 150 espécies do Cerrado, visa propor estratégias de conservação. “Queremos determinar aonde deverão ser criadas novas reservas e áreas de conservação a partir dos modelos preditivos,” diz Vasconcelos.
A ideia é identificar as regiões onde as espécies em risco estarão vivendo em 2050. Faz sentido. De que adianta criar áreas de proteção para determinadas espécies nas regiões onde ela é encontrada hoje, se em 2050, em função das mudanças climáticas, estas mesmas espécies não viverão mais no local?
Publicado na Agência Fapesp
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