COMPORTAMENTO ANIMAL - Psicólogos revelam as múltiplas facetas da habilidade manual dos macacos-prego
Macaco-prego (Sapajus libidinosus) usa pedra para quebrar fruto na serra da Capivara (Tiago Falótico/IP-USP) |
PETER MOON
Os macacos-prego são impressionantes. Eles são os único primatas das Américas que fazem uso diversificado de pedras e galhos como ferramentas para abrir cocos e frutos, caçar lagartos, coletar abelhas, formigas e cupins - e chamar a atenção dos parceiros no acasalamento, por exemplo. Seu conjunto de aptidões cognitivas só é dividido, na natureza, com outras duas espécies: os chimpanzés na África, e nós mesmos. O grupo de pesquisadores liderados por Eduardo Ottoni e Tiago Falótico, do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IP-USP), se dedica faz vários anos ao estudo da cognição e do comportamento social destes macaquinhos maravilhosos.
Os diversos trabalhos já realizados foram fruto da observação prolongada e atenta de grupos selvagens de macacos-prego que vivem na caatinga do Parque Nacional da Serra da Capivara, no sudoeste do Piauí. Já os estudos experimentais realizados pelos pesquisadores foram feitos com os animais apreendidos pelo IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e soltos nas ilhas do Parque Ecológico do Tietê, em São Paulo. As publicações mais recentes da equipe estão nos periódicos Animal Cognition e American Journal of Primatology.
“Uma das coisas mais peculiares dos grupos de macacos-prego que vivem na Serra da Capivara, no Piauí, é o uso diversificado de ferramentas, na forma de pedras percusivas e de varetas, usadas como sondas,“ diz Ottoni. Em nenhum outro grupo de macacos-prego foi observada tamanha versatilidade.
Veja o caso dos macacos-prego da fazenda Boa Vista, que fica no limite entre o Piauí e o Tocantins. Eles vivem na zona de transição entre a caatinga e o cerrado. Lá há palmeiras que dão cocos duríssimos. Para abri-los, os macacos empregam grandes pedras de um tamanho respeitável. Algumas chegam a pesar mais de 3 quilos - praticamente o mesmo peso dos bichos.
Já numa ilhota de mata cercada por canaviais no litoral da Paraíba, macacos-prego empregam varetas para coletar cupins de dentro dos cupinzeiros. Lá não foi registrado o uso de pedras.
O conjunto de todas estas habilidades só acontece na Serra da Capivara, onde os macacos só não usam grandes pedras para abrir cocos porque lá, na caatinga, tais cocos inexistem. Mas abundam frutos encapsulados - assim como as pedras para usar como martelos e bigornas para abrir frutos.
A Serra da Capivara é marcada por centenas de paredões rochosos com dezenas de metros de altura, que desde a pré-história eram usados como abrigos pelos primeiros habitantes da região (evidências arqueológicas indicam que a região era habitada desde pelo menos 12 mil anos). A erosão causada pela ação do Sol, da água e dos ventos é uma fonte constante de pedras que despencam aos pés daqueles paredões rochosos. São as ferramentas dos nossos macaquinhos. Mas como é que eles sabem escolher quais as pedras certas para abrir seus frutos?
“Um filhote precisa de dois a três anos de aprendizagem para conseguir quebrar frutos. Os filhotes precisam ganhar força física e aprender a complexidade da tarefa. A interação social com o grupo é essencial ao longo deste processo,” diz Ottoni.
Uma exemplo do modo como tudo isto acontece foi observado entre os macacos-prego do Parque Ecológico do Tietê. De acordo com Ottoni, quando os jovens macacos escutam o som de algum macho adulto quebrando frutos, todos correm para observar - e filar alguma sobras de alimento da bigorna do adulto quebrador. “O interesse óbvio dos jovens é pelo possível acesso à comida. É nestes momentos que eles se expõem a uma condição ideal de aprendizagem,” diz Ottoni. “Interessante notar que a plateia de filhotes é tolerada pelo animal ocupado em abrir seu alimento. Caso o expectador fosse um outro macho adulto (ou seja, um ladrão em potencial), sua presença seria intolerável e ele seria imediatamente escorraçado dali.”
Quando diversos adultos estão ocupados em quebrar nozes num mesmo local, com diferentes graus de eficiência, os jovens tendem a se concentrar em torno daquele que apresenta melhores resultados. “Eu não descarto a ideia de que os machos estejam se exibindo a sua habilidade para as fêmeas. É muito sugestivo, mas a gente ainda não comprovou a ideia enquanto hipótese verificável.”
Um comportamento bastante curioso foi observado entre as fêmeas na Serra da Capivara. Durante a ovulação, as fêmeas fazem uso de diversos comportamentos para atrair a atenção dos machos, como expressões faciais, vocalização, posturas corpóreas e o “toca-e-corre”, uma brincadeira na qual a fêmea toca, agarra ou empurra o macho que quer atrair, e então sai correndo.
O inusitado foi perceber como o uso de pedras foi apropriado pelo arsenal dos “encantos” à disposição das macaquinhas. “Algumas fêmeas, quando se encontravam no período fértil, arremessavam pedrinhas na direção dos machos, como que para chamar-lhes a atenção da sua disposição para a cópula,” explica Ottoni.
Com relação ao uso de gravetos, galhos e varetas como instrumentos de sonda, seu emprego foi verificado nas mais diversas situações. “Na Serra da Capivara, os animais empunham varetas para, por exemplo, vasculhar colmeias de abelhas e comer teias de aranha,” explica Ottoni. “Quando os macacos escalam os paredões rochosos à procura de alimento, é comum vê-los usar varetas para desentocar e devorar os lagartos que se escondem nas fendas da rocha.”
Os macacos-prego são os primatas mais inteligentes das Américas. Sua habilidade no uso de instrumentos só rivaliza, na natureza, com a dos chimpanzés na África. Sabe-se que os orangotangos do sudeste asiático utilizam varetas como instrumento, mas jamais foi registrado entre eles o uso de pedras - até mesmo porque eles nunca descem ao chão da floresta. Passam praticamente a vida inteira no alto das árvores.
Comentários
Postar um comentário